terça-feira, 31 de maio de 2011

LOCOMOTIVAS - CAPÍTULO 5

NOVELA DE CASSIANO GABUS MENDES


CAPÍTULO 5


Margarida vivia dias felizes. O filho estava parando em casa. Levava-a com Celeste ao cinema, jogava buraco, dormia cedo. Enfim, tudo corria como deveria ser sempre: longe daquelas garotas que viviam atrás dele. A pior de todas era a tal de Patrícia. Renata não conseguia dominar Netinho, mas a outra era capaz de tirá-lo do sério. Bastava ligar que o bobinho já ia atrás dela como um cãozinho amestrado. Não tinha criado um filho para cair assim tão facilmente nas mãos da primeira que aparecesse.

Celeste atravessava um período cheio de contradições. De um lado estava contente por ter Netinho mais tempo ali por perto. Ele conversava bastante com ela, trocava idéias, chorava as mágoas. E isso lhe dava um enorme prazer, porque era a única forma de intimidade que podia desfrutar com ele. O que será que sentia por Netinho? Não era apenas atração física. Isso, aliás, nem passava por sua cabeça. O que valia para ela era esse tipo de intimidade, era sentir que o rapaz confiava nela e lhe contava todos os segredos de sua alma. Amiga, irmã, conselheira, psicanalista, confidente... era muito bom saber que era tudo isso ao mesmo tempo para Netinho. Valia muito mais do que se fosse apenas a namorada.
Por isso tudo, Celeste não ficou nem um pouco triste quando Netinho lhe deu a notícia de que tinha reatado o namoro com Renata. Celeste não se sentia em competição com as outras moças. Ela sabia que não passavam de aventuras, de passatempos que ele um dia superaria. O mais importante para ela, no entanto, era entendê-lo, ficar a seu lado e dar-lhe todo o apoio de que precisasse.

Margarida, por sua vez, ficou arrasada. Percebeu que o período de trégua terminara. Agora começaria a guerra outra vez. Ela era contra esse mundo de mulheres tentando agarrar o filho. Estava ali para defendê-lo. Mas quem defenderia Netinho de Margarida?

Sérgio não sabia mais o que fazer com a filha. Ela se recusava a levar a sério os estudos. Havia desistido de fazer faculdade. Também não se dedicava aos cursos de línguas e piano que ele tanto tentou obrigá-la a seguir. Mas o pior de tudo eram os rapazes com quem se relacionava. Não confiava na habilidade de Mirtes para controlá-la. Desconfiava de que Patrícia saía quase toda noite, sabe-se lá com quem, às escondidas. Se ela se entendesse com Marco Aurélio, seria maravilhoso. Não apenas estariam terminadas suas angústias de pai, como também ficariam solucionados seus problemas como empresário. A indústria ia de mal a pior e justamente Marco Aurélio era um de seus maiores credores.

Para complicar ainda mais o quadro, aparecera esse filho da Kiki Blanche.

Seria uma vingança? Uma forma de obrigá-lo a saldar uma dívida do passado? Não, não tinha sentido. Só podia ser uma coincidência. Uma horrível e indesejável coincidência. Jamais permitiria que sua filha se relacionasse com o filho de uma vedete do teatro rebolado. Preferia que ela namorasse com aquele outro garoto. Aquele que a tinha salvo do afogamento. Apesar de humilde, era um mal menor. Quem sabe assim ela se esquecesse do filho da Kiki Blanche. E, nesse meio tempo, seria possível arrastar Marco Aurélio e fazer com que Patrícia o conhecesse.

- Patrícia, minha filha... você tem visto aquele rapaz que a salvou?

- Não, papai - respondeu amedrontada.

- Pois você tem a permissão para recebê-lo em nossa casa...

- É mesmo, papai? - Patrícia nem acreditava na súbita mudança do pai.

Mas não perdeu nem um segundo em tentar entendê-lo. Sua primeira providência foi ligar para Netinho e contar-lhe a novidade.

Fábio estava infeliz, mas pelo menos tinha a consciência tranqüila. Fez o que era possível para convencer Milena da idiotice que estava fazendo, de deixá-lo para a irmã. Fez o possível também para convencer Fernanda de que aquela sua paixão por ele terminaria antes que ela pudesse imaginar.

Mas nenhuma das duas parecia entender sua lógica. Uma coisa tinham em comum: a teimosia. E, no entanto, nem ao menos eram irmãs legítimas... Aborrecido com os caprichos das duas, resolveu voltar aos velhos tempos e sair um pouco com suas antigas namoradas. Bastou discar alguns números e já estava pronto para mais uma noitada fútil e inconseqüente, mas que ao menos não o enlouqueceria como Milena estava conseguindo fazer. Fábio saiu com uma antiga namorada, chamada Carla Lambrini, mulher madura, bonita e milionária, que, se não era muito inteligente e culta, também não lhe trazia problemas.

Fernanda estava sozinha em seu quarto, remexendo roupas e arrumando gavetas, e aproveitou para remexer também em sua vida. Foi até o telefone e ligou para Fábio. Quem atendeu foi Sílvia, a irmã dele, que torcia por Milena e, portanto, contra Fernanda. Respondeu-lhe com educação e frieza, fazendo questão de dizer que Fábio tinha saído com uma mulher e talvez só voltasse na manhã seguinte. Fernanda desligou o telefone sem dizer "boa noite" ou "muito obrigada". Se soubesse onde Fábio estava com sua namorada, iria até lá e mataria os dois; ou melhor, só ela, já que para Fábio reservaria um castigo especial. Deitou-se na cama e não sentiu vontade de chorar. Apenas ódio. Odio de tudo e de todos. E não queria sentir esse ódio sozinha, queria partilhá-lo com mais alguém; e assim foi até o quarto de Milena. Bateu à porta, ouviu a voz da irmã dando permissão para entrar; entrou, sentou-se na cama dela e ficou calada.

- Que foi, Fernanda? Não consegue dormir?

- Não. E nem quero. Estou morrendo, borbulhando, explodindo de tanto ódio! Ah, se eu pudesse encontrar aqueles dois agora...

- Dois? De quem você está falando, Fernanda?

- Eu acabei de telefonar para o Fábio, e a irmã dele me disse que ele saiu com uma mulher e que provavelmente só vai voltar amanhã.

Milena engoliu em seco para não deixar transparecer nenhum sentimento de ciúme ou de raiva diante da irmã.

- Bem, Fernanda. Fábio é viúvo, e é adulto. Ele tem o direito de sair com quem quiser. E de passar a noite fora sem ter que dar maiores explicações.

- Mas, se ele está querendo uma mulher pra ficar com ele, por que não me convidou no lugar dela?

Milena sentiu o peito gelar. Seria possível que Fernanda e Fábio já tivessem chegado a essa intimidade? Não... não era possível! Ele não teria coragem de fazer isso com uma menina de dezoito anos, e ainda mais sendo sua filha... Isso teria de ser muito bem esclarecido!

_ Fernanda, não está querendo me dizer que você e ele já chegaram a esse ponto...
Femanda entendeu aquilo como se fosse uma demonstração de ciúme da irmã e resolveu mentir só pra medir o que ela sentia por ele.

- Ih, Milena, como você é antiquada! É claro que eu não contaria uma coisa dessas pra Kiki; afinal ela é mãe, sabe como é... mas como você é minha irmã não tem problema nenhum em contar...

Milena mordia os lábios para se conter. Não podia nem imaginar o que viria depois... .

- Bem, um dia eu encontrei o Fábio por acaso, e nós saímos; ele disse que eu estava muito bonita, e acho que ele não resistiu. Passamos a tarde juntos e fizemos amor... foi maravilhoso, Milena! Espero que você não vá ficar com ciúme, eu só estou lhe contando o que aconteceu... Bem, acho que vou dormir. De repente fiquei com sono.

Fernanda levantou-se, sabendo que provocara alguma coisa em Milena. Mal sabia ela que não era a irmã quem estava sofrendo por Fábio; mas sua própria mãe, angustiada diante da revelação de que sua filha já não era mais uma menina, mas uma mulher...

Na manhã seguinte, Milena telefonou para o escritório de Fábio. Assim que a secretária anunciou seu nome, Fábio correu a atendê-la. Mas do outro lado da linha encontrou uma voz séria e fria perguntando sobre Fernanda.

Fábio negou toda a história inventada por Fernanda, jurando a ela que nada disso tinha acontecido e que, certamente, não viria a acontecer. Não era de Fernanda que ele gostava, e sim dela. Milena ficou tranqüilizada com as palavras dele. Sabia que, apesar de tudo, era um homem sério e íntegro e que não mentiria a ela sobre assunto dessa seriedade. Fábio, no entanto, não entendia por que Milena ficara tão atordoada com a história de Fernanda. Se a preocupação fosse por causa de ciúme, ele até ficaria lisonjeado. Mas o tom de voz dela indicava uma cobrança séria, como uma mãe quando descobre que a filha já não é virgem...

Terminado o telefonema, Fábio resolveu falar com Fernanda pessoalmente, e de uma vez por todas acabar com esse martírio de ter uma criança teimosa atrapalhando sua vida.

O encontro com Fernanda foi marcado para a hora do almoço, num restaurante simples à beira da praia. Quando ela chegou, Fábio já estava lá.

- Desculpe a demora. Se eu soubesse que ia deixar você esperando, teria vindo mais cedo.

- Não tem importância, Fernanda.

- E então? Desistiu de tentar resistir e vai me pedir em casamento?

- Fernanda, pare de sonhar. Eu não amo você. Acho você uma garota maravilhosa, cheia de vida, mas estou apaixonado por sua irmã.

- Ouvi, mas acho que isso também vai passar logo. Ela não quer nem ouvir falar em seu nome.

- Por sua culpa! Se você não tivesse inventado essa história de se apaixonar por mim, ela não teria me dado o fora.

- Não tente me culpar, Fábio. Se ela amasse você de verdade, não teria tomado uma atitude dessas. Ou você já ouviu falar de uma irmã que abre mão do seu homem pra deixá-lo pra outra?

Fábio não tinha como argumentar. Realmente, ele nunca tinha tido notícias de uma outra situação absurda como essa. Decidiu retomar o diálogo com ela, sem tocar no nome de Milena.

- Olhe, Fernanda, eu quero lhe dizer uma coisa muito sincera. Não acredito que daria certo eu e você. Mesmo que resolvesse entrar nessa loucura e casar com você, o nosso relacionamento não duraria nem cinco anos. É uma questão de aritmética. Eu tenho 45 anos, e você, dezoito. Agora isso não parece tão trágico. Mas, daqui a quinze anos, a diferença será uma catástrofe. Imagine um velho de sessenta anos, passeando na praia com uma mulher de 33, linda e exuberante, no início de sua maturidade. Não tem sentido...

- Eu vou gostar de você mesmo quando tiver 120 anos!

- Você não tem mesmo jeito, Fernanda... - respondeu ele, rindo.

- E você vai me matar de tanta fome! Eu já estou até trocando você por um garçom com uma bandeja cheia de comida!

Fábio chamou o garçom e fez o pedido. Fernanda estava adorando a companhia dele. E resolveu pedir uma pequena ajuda numa velha questão.

- Fábio, eu preciso de você como advogado. Quero descobrir minha verdadeira mãe.

- Que bobagem, Fernanda! Você sabe que sua mãe é Kiki Blanche, aliás, uma mãe maravilhosa.

- Eu sei. É só uma questão de... curiosidade. Só pra ver se eu me pareço com ela. Você me ajuda?

- Vou pensar... mas acho que isso eu posso fazer por você.

Naquela tarde de verão, no Tia Joana, Vitor fazia as contas da receita da noite anterior e separava os cheques para depositar. Chico Rico cuidava do levantamento do que havia e do que estava faltando no estoque. Marcelina e Joana iam colocando as carnes no tempero e adiantando os pratos mais pedidos para a noite. Lurdinha e Gracinha acabavam de chegar do instituto e iam arrumando as mesas do salão. Quando Machadinho chegou, quase não foi reconhecido.

Estava vestido com. roupas novas e modernas, completamente diferentes das que ele trouxera de Portugal e que vinha então usando. Colocou vários embrulhos que carregava sobre a mesa e cumprimentou gentilmente a todos. Vítor não se conteve: .

- Que foi que houve, rapaz? Vai trabalhar de modelo em desfile de modas?

- Suas roupas estão muito bonitas! - disse Joana. .

- Me diga uma coisa - perguntou Chico Rico. - Você escolheu sozinho?

- Não, uma amiga me ajudou... a Fernanda!

Lurdinha não perdeu a oportunidade. Cutucou a amiga, sussurrando:

- Não falei pra você que ele está louco pela Fernanda?

- Ele não presta mesmo - concordou Gracinha, fingindo que nem tinha reparado na presença dele.

- Muito justo - comentou Chico Rico. - S6 mesmo uma moça pra dizer que é que está na moda e o que não está mais...

Lentamente, Machadinho se aproximou de Gracinha com um embrulhinho na mão.
- Gracinha, eu estive lá em Ipanema... tinha tanta loja bonita... Numa delas, eu vi essas bijuterias... Acho que você vai gostar...

Quase sem falar, ela abriu a caixa e teve de fazer força para esconder a emoção de ganhar um colar, brincos e pulseiras assim tão lindos.

Ao lado, Lurdinha se roia de inveja.

Por alguns minutos, Kiki deixou de se preocupar com essa confusão de Milena, Fábio e Fernanda. No fundo, sabia que a questão iria se resolver mais cedo ou mais tarde. O que a preocupava naquele dia era a situação em que Paulo se achava. O garoto não conseguia mais dormir nem se alimentar direito. Não ia mais à faculdade e passava dias inteiros trancado no quarto sem ver ninguém. Estava amargando males de amor por causa da filha de Sérgio, mas não havia meio de se abrir com a mãe. Hoje, porém, ela estava decidida a ter uma conversa séria com o filho. Foi até o quarto dele e parou na porta.

- Posso entrar, filho? Sou eu, Kiki

- Você não é a dona da casa? - gritou Paulo do outro lado da porta.

Pelo menos ele não tinha perdido inteiramente o bom humor.

- Ainda muito triste, meu filho?

- Estou aqui me segurando... você sabe...

- Quero que me conte tudo sobre vocês.

Meio a contragosto, Paulo contou a coisa toda em detalhes. Kiki ficou sabendo como estava vivendo Sérgio, a maneira como vivia com esposa e filha, e concluiu que ele se tomara um homem por demais amargo. E não pôde evitar uma certa dose de compaixão por aquele que tanto a fizera chorar há mais de trinta anos. Ficou sabendo como era o modo de ser de Patrícia e a desculpou por ter feito o filho sofrer. Era uma menina oprimida pela autoridade paterna e, portanto, incapaz de ter opiniões ou vontade próprias. Outra vítima, como seus pais. O mais grave era a notícia das dificuldades financeiras da empresa dirigida por ele. A falência parecia ser inevitável. E, nessas condições, a pressão aumentaria ainda mais. Provavelmente arranjaria um casamento de conveniência para a filha, como um dia o pai dele fizera com ele e Mirtes.

- Ela disse que o pai vive empurrando um tal de Marco Aurélio pra ela... é um milionário, sabe?

- Era o que eu temia... soluções desse tipo só aumentam os problemas.

- Mamãe, tive uma idéia...

Kiki ficou apreensiva. Podia adivinhar o que Paulo ia lhe pedir. Não saberia dizer não, ainda que isso lhe custasse muito caro.

- A senhora não conhece alguns diretores do Banco do Brasil?

- É verdade, conheço, mas não vejo como...

- Não conhece também banqueiros, financistas, gente de dinheiro?

- O que você quer que eu faça, meu filho?

- A senhora podia tentar ajudar o pai da Patrícia...

- Você acha que isso iria trazer bons resultados pra sua relação com ela?

- Não sei... acho que sim... pelo menos o velho dela ia ficar mais sossegado...

Kiki pediu um prazo para pensar, mas, ao olhar para o rosto agora mais alegre e animado do filho, decidiu-se:

- Está bem, vou falar com o Alcântara, do Banco do Brasil... com uma condição, Paulo...

- Manda bala!

- Qualquer que seja o resultado dessa minha tentativa, você não vai contar nada a Patrícia, nem para o pai dela. Entendeu?

- Ué... por quê?

- Tenho as minhas razões... Prometa que não vai comentar nunca, senão eu não faço nada!

- Está bem... você é que sabe... Eu te adoro, Kiki!

E Paulo pulou no pescoço da mãe, num abraço que a fez feliz de novo.

- Não estou entendendo nada, Lurdinha!

Gracinha acabara de ouvir a amiga lhe contar uma história enroladíssima que envolvia Femanda, Machadinho, a mãe de Fernanda, o namorado de dona Milena e uma cartomante. Era demais para ela.

- Explica tudo direitinho, tá? .

Lurdinha contou que, um dia, tinha ouvido uma conversa entre Fernanda e o dr. Fábio, que era o namorado de Milena.

- Como foi que você ouviu?

- Pela extensão do telefone, lá no salão...

Gracinha, muito aos poucos, ia recebendo informações a respeito do verdadeiro caráter de Lurdinha. Mas ainda acreditava nela e a considerava uma grande amiga.

- A Fernanda conversou com o tal de Fábio sobre a verdadeira mãe dela - continuava Lurdinha.

- Mas ela não é filha da dona Kiki?

- Não! É adotada. E agora ela quer saber a identidade da verdadeira mãe. Aí eu pensei: é uma boa oportunidade de ajudar a fundir a cabeça dela, sabe? Um jeito de deixar ela bem doidinha.

- Mas por que, Lurdinha?

- Pra ela esquecer o Machadinho.

- Eu não acho que isso possa dar certo...

- Mesmo assim eu vou tentar...

Lurdinha sentia que Machadinho jamais seria seu. Não conseguiria conquistá-lo. Ainda mais agora que ele acabara de anunciar a novidade: ia se mudar da casa de Gracinha, pois estava montando um apartamento para morar sozinho. Assim, tudo ficaria ainda mais difícil. Só que ela não iria desistir logo no primeiro revés. Estava disposta a ir até o fim.
FIM DO CAPÍTULO 5

NÃO PERCA O CAPÍTULO 6 DE



segunda-feira, 30 de maio de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 48



classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 48


CENA 1 - COROADO - CASA DO DR. MACIEL - INT. - NOITE.

O médico ria gostosamente, gozando a situação.

DR. MACIEL - Ah, agora eles vêm me pedir ajuda, não é?

BRAZ CANOEIRO - O moço Duda foi ferido a bala! Tá passano mal.

DR. MACIEL - Pois que me importa! Não tenho obrigação de tratar de nenhum deles!

DOMINGAS - Como não tem obrigação, seu doutô? (ameaçadoramente) É um médico! Tem um juramento a cumprir!

Maciel cruzou a sala, sob os olhares reprovadores de Braz e Domingas. Foi até o bar, abriu a garrafa e encheu o copo. Ergueu-o contra a luz como a examinar a composição química de um medicamento. Tomou a bebida de uma talagada.

DR. MACIEL - É. Sou médico. Um médico que eles desprezam. Um médico que eles acusam... um médico sem nenhum valor para eles...

BRAZ CANOEIRO - (cortou) Seu doutô, o sinhô me desculpe, mas num é hora disso. O moço Duda é um jogadô de futebol famoso e foi ferido na perna... isso pode sê ruim pra carreira dele!

DR. MACIEL - Melhor! Melhor que ele nunca mais volte a jogar!

BRAZ CANOEIRO - (recriminou-o, revoltado) O sinhô não fala como médico!

DR. MACIEL - Falo como vítima. Como vítima daquela gentalha maldita que me acusou na polícia. Por culpa deles... a minha filha nem me olha na cara. Portanto... eu me recuso a ir cuidar do Eduardo.

BRAZ CANOEIRO - Eu posso dizê isso a ele? Posso?

DR. MACIEL - Pode! Vá correndo! Eu estou com sono e quero me deitar!

Dito isto, o Dr. Maciel deixou a sala. Domingas fez o sinal da cruz e Braz deixou cair os braços, impotente.

CORTA PARA:


CENA 2 - CASA DO RANCHO CORAGEM - QUARTO - INT. - NOITE.


A luz mortiça do lampião incidia fúnebremente sobre a face cadavérica do ancião. Os raros cabelos, embebidos de suor que lhe escorria pelo rosto, continham pequenos pedaços de barro avermelhado, resquícios das brutalidades que sofrera nas mãos dos bandidos.

SEBASTIÃO - (arquejante, quase num sussurro inaudível) Eu tive toda a culpa, filho.

JOÃO - Não diga isso, velho... o sinhô fez o que qualquer um de nós havia de fazê pra salvá a vida de Cema.

SEBASTIÃO - Seria bom... se tivesse morrido. Eu vou ficá com peso na consciência. Por minha fraqueza... tudo aconteceu.

JOÃO - (levantou-se, angustiado) Pai, num dianta ficá agora se martirizano, quereno sabê quem teve culpa ou quem não teve! Isso num resolve nada.

JERÔNIMO - Também acho. O que resolve, agora, é tomá uma atitude. ( e fitando energicamente o irmão) E quem vai tê que tomá essa atitude é você, João. Tá mais do que certo que a gente foi vítima de um golpe. Você foi atraído na casa do seu sogro, pra ele mandá roubá o teu diamante e acabá com a nossa família. Agora, eu quero vê se você vai ter corage de ir lá e acabá com toda a raça dele. Até com a filha dele... tua mulhé.

João torcia as mãos, intimamente revoltado com a injustiça das palavras do irmão. Somente ele, naquela casa, sabia das razões do chamamento da casa-grande. Somente ele podia medir as conseqüências do ato selvagem que levara á morte o filho que Lara tinha nas entranhas. O seu filho!

JOÃO - Por que... minha mulhé?

JERÕNIMO - (com ironia) Porque tava na cara que ela tava combinada com o pai, não é, João?

Era demais para quem sofrera bastante naquela noite: a perda do filho, a esposa gravemente ferida, o irmão com a perna ameaçada, o pai moribundo e, para culminar, o roubo do diamante que representava o seu futuro no amor e na riqueza. Quando tornou a falar, João Coragem refletia a combinação de revolta com a ira.

JOÃO - Não tá nada na cara, não! Tu nem sabe das coisa... é melhor ficá calado...

JERÔNIMO - Eu num sei das coisa! Mas, tudo tá tão claro, João! Ou será que você, agora, vai querê defendê o pai dela?

JOÃO - Não, a ele num defendo... mas a ela... ela, como eu, como ocê, como pai e Duda... também foi vítima.

JERÔNIMO - (virou o rosto em gesto de descrédito) Essa, não! Não me venha com isso, agora!

CORTA PARA:

CENA 2 - CASA DO RANCHO CORAGEM - SALA - INT. - MADRUGADA.

Braz acabara de regressar de Coroado. Esbaforido. Com a tez negra banhada de suor. Mal podia falar. João e Jerônimo alcançaram o final de suas palavras.


BRAZ CANOEIRO - ...e ele disse... que não vem... que num tem obrigação de tratá do Duda... porque ocês são inimigo dele.

Ritinha juntou as mãos como em prece, pressentindo a gravidade da revelação.

RITINHA - Ele perdeu o juízo... não pode se negar a tratar de ninguém!

Sinhana correu os olhos pelo quarto, demorando-se no revólver que Eduardo atirara sobre o velho baú. Os irmãos entenderam a mensagem da mãe.

JERÔNIMO - Nós trazemos ele, mãe. Nem que seja amarrado.

DUDA - (revirando-se na cama, suplicou) Gente... não demorem... eu não agüento de dor!

Os irmãos examinaram o tambor da arma, girando-o com força. O revólver de João, de cabo de madrepérola, mantinha-se preso ao cinto, ao lado direito de sua perna. Não trocaram palavras durante a longa caminhada.

CORTA PARA:

CENA 3 - COROADO - PRAÇA - EXT. - AMANHECER.


Amanhecia. Ao longe o sol coloria de tintas rubras o horizonte montanhoso. A praça, antes regurgitante de gente, dormia quieta, embalada pelo leve rumor da viração que atormentava a copa das árvores. O ruído das ferraduras feriu bruscamente o silencio da madrugada.

CORTA PARA:

CENA 4 - COROADO - CASA DO DR. MACIEL - EXT. - AMANHECER.

Domingas veio atender á porta, sonolenta.

JOÃO - Cadê o doutô?

DOMINGAS - Tá dormino.

JERÔNIMO - Acorda ele.

DOMINGAS - Gente... num adianta. Eu já fiz tudo. Ele disse que podem matá ele que num vai!

JERÔNIMO - Onde é o quarto dele?

DOMINGAS - Escutem... não compliquem as coisas. Chamem outro médico.

JOÃO - Não há tempo, Domingas. Se meu irmão não for medicado agora... ele morre!

Os rapazes entraram na casa. Domingas voltou a benzer-se com gestos lentos.

CORTA PARA:

CENA 5 - CASA DO DR. MACIEL - QUARTO. - INT. - AMANHECER.


Maciel sentiu o lençol voar de seu corpo e o vento frio da madrugada fustigar-lhe o peito. Acordou assustado.


DR. MACIEL - O que é isto?

JERÔNIMO - (com a arma encostada ao peito do médico) É um convite pra ir tratá do meu irmão!

DR. MACIEL - Mas eu já disse...

JOÃO - (corta) Não importa o que disse. A gente veio lhe buscá.

JERÔNIMO - Por bem... Por enquanto.

DR. MACIEL - Mas eu me recuso. Eu posso escolher os meus clientes.

JERÔNIMO - ... e a gente também pode escolher a melhor maneira de lhe mandá pro outro mundo (arrematou, com os dentes cerrados e a arma engatilhada. Apontou o cano para a testa do médico irresponsável) Anda! Se levante! Se arruma em dois minuto! E vamo simbora! (com um gesto rápido apanhou o relógio de cabeceira e o colocou a centímetros da cara do inimigo) Tem dois minuto!

Levantando-se com lentidão, Maciel percebeu a decisão do jovem. Não havia dúvida. Começou a vestir-se.

JERÔNIMO - (com a ponta do cano cutucou as costelas do viciado médico) Mais depressa! Vamo logo!

DR. MACIEL - (enquanto vestia o terno amarfanhado, foi perguntando) Que é que ele tem?

JERÔNIMO - Atiraro na perna dele. Veja tudo que é preciso pra cuidá disso. Pode tê quebrado a perna... sei lá.

FIM DO CAPÍTULO 48
Jerônimo (Claudio Cavalcanti) e João (Tarcísio Meira)

E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

===>DR. MACIEL ALEGA QUE NÃO TEM RECURSOS PARA CUIDAR DO FERIMENTO DE DUDA. JOÃO E JERÔNIMO SÃO TAXATIVOS: OU OPERA, OU MORRE!

===>JOÃO DÁ O PRAZO DE UM DIA PARA O DELEGADO FALCÃO PRENDER OS CRIMINOSOS, OU FARÁ JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS!


NÃO PERCA O CAPÍTULO 49 DE

sexta-feira, 27 de maio de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 47



classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 47

PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:

CEMA
JOÃO
DUDA
JERÔNIMO
MARIA DE LARA
DR. RAFAEL
DALVA
RITINHA
SINHANA
CAPANGA

CENA 1 - CASA DO RANCHO CORAGEM - EXT. - NOITE.


Durante alguns segundos Cema permaneceu paralisada, não acreditando naquilo que vira. Aos poucos recuperou-se do choque e, como se visse um fantasma, saiu em disparada ao encontro dos cavaleiros.

CEMA - Socorro! Socorro! Seu Bastião tá morreno!

Os rapazes saltaram lépidos das montarias. Cema falou, aflita, quase sem respirar, apontando para o interior da casa.

CEMA - Foi um assalto. Os home tão fugino, mas seu Bastião tá morreno!

DUDA - Vai ver o pai. Me dê a sua arma, irmão. Vou atrás dos bandidos. (voltou-se
para a mulher) Por onde eles foram?

CEMA - Ainda falta um! Ali! Ali tá ele, Duda!


O vulto oculto pelas sombras procurava, nervosamente, montar no cavalo.

DUDA - (ameaçou) Pare! Pare ou eu atiro!


Incontinenti o homem esporeou o animal e partiu a galope, o cavalo relinchando.O estampido do tiro ecoou no silencio da noite, confundindo-se com o grito de dor do bandido. A bala atingiu-lhe o braço á altura do bíceps, obrigando-o a uma parada momentânea. Eduardo aproveitou para atirar-se contra o desconhecido. A luta foi rápida. Com um pontapé lançado do alto da sela, o homem jogou o rapaz ao solo, ao mesmo tempo em que apontava o revólver contra ele, detonando-o.

CAPANGA - Não adianta, mocinho... não adianta... Fique aí ou acabo com você!
Dou-lhe outro tiro.


Com o rosto sujo de terra e a perna ferida pelo tiro, Eduardo arrastou-se até a casa, ouvindo o bater das ferraduras do cavalo a perder-se na distancia. A perna doía-lhe como seiscentos diabos...


CORTA PARA:

CENA 2 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - QUARTO DE LARA - INT. - NOITE.


João Coragem mal respirava quando,subindo dois a dois os degraus da escada, entrou no quarto de Lara. Dr. Rafael, de mangas arregaçadas e com o rosto banhado de suor, concluía o trabalho. Lara, muito pálida, descansava com os olhos cerrados.

JOÃO - (em voz baixa) Como tá ela, douto?

DR. RAFAEL - Tudo já passou...

JOÃO - Passou? O que o senhô quer dizê?

Aproximou-se do leito, indeciso.

JOÃO - (olhou para o médico) É... Lara?


O médico fez que sim com a cabeça. João beijou suavemente a testa da esposa. Ela abriu os olhos com doçura.

MARIA DE LARA - João... João... você demorou!

JOÃO - Agora, tá tudo bem. Tou aqui...


João notou o leve tremor que sacudiu o corpo da esposa e as manchas de sangue que marcavam o lençol alvo e a camisola de dormir.

MARIA DE LARA - (quase sem forças, gemendo fracamente ao movimentar o
corpo) Que foi que lhe fizeram, João?

JOÃO - A mim, nada. Você é que me preocupa!

MARIA DE LARA - Eu? Mas... eu estou bem.

JOÃO - (os olhos embaçados) O nosso filho... já soube?

MARIA DE LARA - Que tem o nosso filho?


O rapaz percebeu a indiscrição e o leve movimento de mãos do Dr. Rafael.

JOÃO - Nada. Tou só perguntano... tá... tá tudo bem?

MARIA DE LARA - Está... não é mesmo, doutor?


Abrindo o pacote de remédios, o médico deu um passo á frente, segurando as mãos da paciente.

DR. RAFAEL - Claro! Está tudo bem. (dirigindo-se ao rapaz) Não a deixe falar muito. Ainda está fraca.

Indaiá ajudava Lara a erguer-se um pouco para ingerir o comprimido que o médico lhe dava.

MARIA DE LARA - (apreensiva) Por que fiquei... neste estado de fraqueza?

JOÃO - Acho que você... fez algum esforço. Foi isso.

A moça virou o rosto, visivelmente atormentada.

MARIA DE LARA - Eu... ou ela?

JOÃO - (com mau pressentimento) Não sei... não sei o que foi que houve.

MARIA DE LARA - Só sei que estava muito aflita... para avisar você, João... de que
estava correndo perigo. É tudo o que me lembro. Depois veio a escuridão...

JOÃO - Por quê?

MARIA DE LARA - Porque havia uma ameaça... minha mãe me avisou... que meu pai não pretendia cumprir a palavra... não sei bem o que era... só sei que falaram num
golpe que estavam preparando para você...


Depois de aplicar uma injeção na veia de Lara, o Dr. Rafael fez sentir que ela fazia um esforço demasiado com possíveis conseqüências desagradáveis para o futuro. João despediu-se de Lara, beijando-a na testa. A moça agarrou, frenèticamente, os ombros do marido.


MARIA DE LARA - Eu precisava de você... era você que faltava na minha vida... pra
me dar essa sensação de apoio, de segurança... Acho que o Dr. Rafael tem razão.
Você é uma espécie... de tratamento... para o meu mal. Junto de você... eu não
tenho medo... de nada.

Cerrou os olhos, maciamente, enquanto João Coragem, muito sério, descia para a sala de visitas, no compartimento térreo da casa-grande.

CORTA PARA:

CENA 3 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - SALA - INT. - NOITE.


Rafael aguardava João em companhia de Dalva. O médico fumava um cigarro, observando a evolução da fumaça e as variadas formas que assumia. Era como que uma personalidade multiforme. A voz de João ligou-o novamente á realidade.

JOÃO - (para a tia da esposa) Foi Lourenço... ou foi a senhora?

DALVA - Não admito a mais leve acusação...

JOÃO - (cortou, com frieza) A empregada disse...

DALVA - Não importa o que tenha dito. No momento eu fiquei desnorteada. Ela
estava fora de si. Não pensei que fossem chegar a extremos.

JOÃO - Doutor... e o meu filho?

O médico meneou a cabeça, fitando desoladamente os olhos do rapaz.

DR. RAFAEL - Ela perdeu a criança, João.


Um silencio irritante sucedeu ás palavras francas do Dr. Rafael. João controlava o ódio que o impelia a procurar o capataz e dar-lhe o castigo merecido.

JOÃO - (a Dalva) Onde anda Lourenço?

DALVA - Não sei. Saíram todos daqui... não sei aonde foram.


JOÃO - Eu vou acabá com a vida de muita gente. Vou procurá Lourenço e matá-lo
como quem esmaga um verme... (lutava para conter as lágrimas que lhe banhavam
os olhos) Eu... eu tava tão contente, doutor! Casado com ela... a criança que vinha...
era até uma esperança de que ela ia se curá... o senhor mesmo disse, doutô! E de
repente... (fez uma pausa, com as mãos postas diante do rosto, afugentou algumas
gotas teimosas que insistiam em deslizar por sobre sua face) ... e de repente, tudo
vai por água abaixo... por culpa de um desgraçado... um desgraçado que, a troco de
nada... por pura maldade... manda fazê o que fizero com minha mulhé. Doutô... é de
enlouquecer qualquer um. É de enlouquecer, doutô! (gritava, em desespero).


Em largas passadas cruzou a sala para olhar o campo que se estendia á sua frente.

JOÃO - Olha... avisa ao pai dela que eu volto pra pegar ele... e venho disposto a
tudo. Ai daquele que tentá se atravessá no meu caminho!

Rafael e Dalva ouviram o desabafo do rapaz, sem nada comentar.

CORTA PARA:

CENA 4 - CASA DO RANCHO CORAGEM - SALA - INT. - NOITE.

CEMA - Duda levô um tiro, mas num tá mal.


Ritinha, que havia retornado ao rancho, acompanhando Sinhana e Potira, quase desfaleceu com o impacto da notícia. Apoiou-se á parede calada aguardando a verdade pior.

CEMA - Num tá mal, tou dizendo. Acho que é coisa á toa. Tou te avisano procê não
ficá nesse desespero.

Ritinha, com esforço, conseguiu soerguer-se.

CORTA PARA:

CENA 5 - CASA DO RANCHO CORAGEM - QUARTO - INT. - NOITE.


Sentado na cama com a perna esticada sobre o colchão, Duda contraía os músculos da face, numa careta de dor. A seu lado, Jerônimo tentava estancar o sangue, aplicando um torniquete com ligaduras improvisadas de sua própria camisa.

SINHANA - Deixa. Faço isso. Vão buscá mais água fervida. Depressa! Corre, índia!


Ritinha, transtornada pelos acontecimentos, viu Duda por entre o vão formado pelos corpos de Sinhana e Jerônimo. Correu até ele.

RITINHA - Eduardo! Eduardo! Que foi que fizeram com você?

Abraçou-se ao rapaz, alisando-lhe a testa suada.

DUDA - Calma, Ritinha! Isto não é nada!


A jovem olhou para a perna ensangüentada do marido, razão de seu êxito na vida.

RITINHA - Foi na perna, Eduardo? Na perna!

DUDA - Eu acho que isso não tem importância.

JERÔNIMO - Mandei o Braz chamar o Dr. Maciel.

A velha lembrou-se do marido, até àquele instante esquecido de todos. Ninguém se lembrara da presença do chefe da família, exceto Sinhana.

SINHANA - Seu pai, como é que tá?

JERÕNIMO - Num tá bom, não, mãe. Quando cheguei tava passano mal, mas dei
aquele remédio pro coração e agora parece que acalmô.

SINHANA - Diabo de home frôxo!

JERÔNIMO - (sentido) Ele é doente!

SINHANA - E João?

JERÔNIMO - Deve de tá pajeando a mulhé dele na casa do sogro (olhando
demoradamente para os presentes, o rapaz revelou a verdade do atentado) Olha só
pra aquilo! (mostrou o buraco no chão, recentemente escavado) Levaro o
diamante dele!

SINHANA - Se Deus destinô o diamante pro João, ninguém fica com ele.

JERÕNIMO - Se João num estivesse com a mulhé dele, nada disso teria acontecido... (retornando à perna do irmão e ajeitando o travesseiro de fronha bordada. Duda gemia fracamente, trincando os dentes) João é um fraco, mãe. Aquela mulhé desgraçô com ele... desgraçô com todos nós...


Os olhares voltaram-se repentinamente para a porta do quarto. João Coragem acabava de chegar, camisa aberta ao peito, de onde, por entre os cabelos negros, a imagem dourada de Cristo rebrilhava á luz baça do candeeiro.

JOÃO - Que foi que houve?


O garimpeiro, espantado, verificou de imediato a situação do irmão deitado na cama, com a perna apoiada no colo de Ritinha.

DUDA - Temos más notícias, irmão...

Jerônimo tornou a apontar para o local onde a pedra estivera guardada.

JERÕNIMO - Olha!

Os olhos do garimpeiro esbugalharam-se e a voz como o som cavo de um trombone rachado, saiu-lhe do peito, abafada pela exclamação:

JOÃO - Meu... diamante!

JERÕNIMO - (cabisbaixo) Foi roubado... Olha pro teu irmão. Foi ferido a bala. Fala
com Cema. Foi judiada pelos home. Fala com pai. O coitado nem pode. Tá ruim do
coração.

JOÃO - Mas... como? Como, Santo Deus! Como pode ter acontecido isto?

JERÕNIMO - Pergunta ao teu sogro! Pergunta a tua mulhé! Foram os home de
Pedro Barros...

JOÃO - Não tanto pelo diamante... sim, também por ele... mas, muito mais por
você, meu irmão...


João dirigiu-se até a beira da cama onde Duda permanecia deitado. Afagou-lhe a cabeça, os cabelos desgrenhados. O suor molhou-lhe os dedos, empapou-lhe a palmada mão. Duda sorriu, meio desligado.

DUDA - Isto talvez não seja nada, João. Eu tentei evitar que o sujeito fugisse com a
sua pedra... agarrei-me a ele... e o bandido me impediu, atirando...

RITINHA - (nervosa) ... foi na perna dele, João! Logo na perna dele!

JOÃO - (para Sinhana) É grave, mãe?

SINHANA - Num sei, filho. Só um médico pode dizê... Já mandaro chamá Dr. Maciel, mas tá demorano como diabo...


Ritinha levantou-se, colocando a perna do esposo sobre almofadas trazidas por Potira.

RITINHA - Eu vou buscar papai!


FIM DO CAPÍTULO 47
E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

- JOÃO E JERÔNIMO DUSCUTEM.

- DR. MACIEL SE NEGA A CUIDAR DE DUDA, E JOÃO E JERÔNIMO VÃO Á CASA DELE, DISPOSTOS A TUDO PARA QUE O MÉDICO SOCORRA O IRMÃO BALEADO.


NÃO PERCA O CAPÍTULO 48 DE



quarta-feira, 25 de maio de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 46



classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 46

PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:

INDAIÁ
POTIRA
JOÃO
LOURENÇO
JUCA CIPÓ
VIRGÍLIO
OTO
SEBASTIÃO
DUDA
JERÔNIMO
BRAZ CANOEIRO
CEMA


CENA 1 - COROADO - PRAÇA - EXT. - NOITE.

Coroado vibrava de alegria. Viera gente de todos os vilarejos da região e de todos os rincões do garimpo para assistir á posse de Jerônimo. A cidade estava em festas, com as biroscas iluminadas pelos candeeiros e a praça agitada pelas discussões dos grupos que optavam por esta ou aquela facção. Os partidários do coronel preferiam manter-se num ponto de mediação. Indaiá surgiu, de repente, esbaforida, diante da sede da Associação. Viu, com um suspiro de alívio, a mestiça Potira tranquilamente sentada num dos bancos do jardim. A índia meditava, observando o movimento da cidadezinha.

INDAIÁ - (aproximando-se) Se alembra de mim, menina?

POTIRA - Lembro, dona. Como vai?

INDAIÁ - Estou procurando João. É urgente. Sabe por onde ele anda?

POTIRA - Tava por aqui, agorinha mesmo... (passeou os olhos pela praça cheia de gente. Apontou, satisfeita) Olha lá ele!

Indaiá correu em direção ao moço.

INDAIÁ - (tocando-lhe no ombro, com dedos nervosos) João, preciso falar com ocê.

Um brilho de curiosidade surgiu nos olhos do rapaz.

INDAIÁ - Trago recado de Dona Lara, minha patroa. Ela tá muito mal!

As mãos fortes do garimpeiro chegaram a magoar os braços da mestiça, ante a notícia desagradável.

JOÃO - Mal? Doente? De quê?

INDAIÁ - Depois explico. Agora, seu doutô Rafael, da cidade, mandou lhe buscá. E lhe pede pra mandá vê estes remédios, na farmácia, com urgência.

Entregou a receita a João e ambos saíram ligeiros á procura dos medicamentos. Foguetes espocavam nos céus de Coroado. A praça regurgitava de gente. Potira, Sinhana, Jerônimo. Toda a família Coragem viera á cidade para assistir á posse do líder dos garimpeiros.

CORTA PARA:

CENA 2 - CASA DO RANCHO CORAGEM - SALA - INT. - NOITE.


Apenas o velho Sebastião permanecera no longínquo rancho, imerso em pensamentos. Vez por outra o sono o dominava por minutos. Os quatro homens entraram sem fazer barulho, passos macios, a deslizar por sobre o chão de barro da velha casa. Enquanto Juca perscrutava o ambiente, Lourenço e os outros “cabras” ingressavam nas dependências escuras do rancho. Apenas a luz mortiça de um lampião iluminava as feições cansadas do garimpeiro pai. Lourenço lançou a luz de uma lanterna sobre o rosto de Sebastião. O velho assustou-se.

SEBASTIÃO - O que é isto?

LOURENÇO - (com ironia) Um pesadelo, velho.

Sebastião tentou levantar-se, contido pelas mãos grosseiras de Virgílio. O velho imobilizou-se como se tocado por mão de ferro.

SEBASTIÃO - (gritou com voz fraca) Cema! Braz!

LOURENÇO - Não adianta. Não tem ninguém aí. Juca tá de vigia.

VIRGÍLIO - (já alterado, sequioso de sangue) Que faço com ele?

LOURENÇO - Nada, se ele disser logo onde João guarda o diamante.

Os homens com gestos bruscos levantaram o velho e o empurraram para fora do quarto.

LOURENÇO - Tá fazendo a gente perdê muito tempo, velho. Diga logo! Onde escondem o diamante de João?

SEBASTIÃO - -Podem me matar. De mim não arrancam palavra...

O capataz virava bicho, á medida que Sebastião se retesava e negava-se a dizer palavra. Oto, o capanga manco de um pé, convidou com sadismo:

OTO - Vamo dá a lição nele!

CORTA PARA:

CENA 3 - CASA DO RANCHO CORAGEM - EXT. - NOITE.

Lá fora Juca Cipó detinha Cema, após luta de alguns minutos. A esposa de Braz sofria o abraço asqueroso do jagunço lunático. Juca ria e se babava com o corpo provocante de Cema colado ao seu.
Lourenço surgiu á porta.

LOURENÇO - (ordenou, enérgico) Ei, você aí! (evitava dizer nomes, protegidos que estavam pela escuridão da noite) Larga de brinquedo! Traz essa mulher!

Juca Cipó forçava os seios da mulher de Braz e procurava, desesperado, levantar-lhe a saia. Cema resistia rasgando as carnes do bandido com dentes e unhas.

CORTA PARA:

CENA 4 - COROADO - PRAÇA - EXT. - NOITE.


Na barraca de tiro ao alvo, Duda ensinava Ritinha a acertar na mosca. Viu Jerônimo, nostálgico, perambulando pela praça. Chamou-o com um assovio estridente.

DUDA - Se anime, Jerônimo. Que cara é essa?

JERÔNIMO - Sei não. Meu coração tá apertado, quereno me avisá de alguma coisa.

Duda forçou um sorriso sem graça, com o visível objetivo de animar o irmão.

DUDA - (de brincadeira, ironizando a tristeza do outro) Você já viu coração falar?

JERÔNIMO - (afirmou, profético) O meu tá dizeno: alguma coisa de ruim tá pra acontecer.

Braz se aproximou, sorridente, com uma espiga de milho assada trincada nos dentes. Jerônimo admirou-se com a presença do negro. Devia, a essa hora, estar vigilante nos arredores do rancho.

JERÔNIMO - (com energia) Que é que tá fazeno aqui?

BRAZ CANOEIRO - Vim só dá uma espiada na festa. Cema ficô lá, tomano conta do velho.

O pressentimento de Jerônimo tornava-se real. O rapaz empalideceu e o queixo tremeu-lhe, nervosamente.

JERÔNIMO - Cema... sozinha! E você deixou, home?

BRAZ CANOEIRO - Tem nada, não. A noite tá calma.

JERÕNIMO - (reprovou a atitude do negro) Por quê fez isso, Braz?

Duda entrou na conversa, depois de acertar dois tiros no alvo da barraca.

DUDA - O que foi?

JERÔNIMO - Esse... esse doido sem responsabilidade deixou a mulhé dele sozinha tomano conta do pai.

DUDA - (sem atinar com o perigo) O pai tá correndo perigo, gente?

JERÔNIMO - (sêcamente) Todos nós tamo, Duda! Você não sente... que uma ameaça parece que tá em cima da gente?

DUDA - Uai, sendo assim... que é que a gente tá fazendo aqui, se divertindo?

Jerônimo acompanhou seu raciocínio, locado por uma onda de apreensão.

JERÔNIMO - Vamo lá vê o pai, Duda. Vem comigo!

CORTA PARA:

CENA 5 - CASA DO RANCHO CORAGEM - SALA - INT. - NOITE.


Juca entrou na grande sala do rancho, arrastando Cema, de olhar irado, vestes em frangalhos e os cabelos em completo desalinho. A mulher buscava reunir os trapos que restavam da blusa, envergonhada, com os seios á mostra, cheios e pontiagudos.

JUCA CIPÓ - Foi difícil domá ela. Parece uma onça! Me lanhou todo, a fera! A gente se divertiu um bocado.

A jovem esposa do garimpeiro negro abraçou-se ao corpo do velho Sebastião, amedrontada.

CEMA - (apavorada, voz embargada) Que fizero a ele? Que é que vocês qué, bandidos?

Lourenço, protegido pela total escuridão, direcionou o foco da lanterna mostrando, apenas, dois rostos surpresos e temerosos.

LOURENÇO - (firme e decidido) Só a pedra do João, que tá escondida nesta casa. Onde está?

CEMA - Eu não sei e se soubesse, não diria!

JUCA CIPÓ - (histérico, levantava o dedo na direção do idoso chefe de família) O velho sabe! O velho sabe! Sabe sim!

LOURENÇO - ... e vai dizer agora, se não quer que a mulher morra.

O capataz apontou o revólver para o ar e num trajeto curto, deixou-o com a mira na testa da bela mulher.

CEMA - (sem perder a coragem) Pode deixá! Não diz, seu Bastião! Eu não tenho medo!

SEBASTIÃO - (murmurou, junto ao ouvido da mulher) Eles te matam, Cema!

LOURENÇO - Eu vou dá um tempo. Vou contá até três!

JUCA CIPÓ - Acaba logo com isso! Vem gente aí!

OTO - (da porta, onde permanecia de vigília, avisou) Ou muito me engano ou tou ouvindo um tropel de cavalo...

LOURENÇO - Um...

JUCA CIPÓ - (esfregando as mãos, nervosamente) Como é? Diz ou não diz?

O tropel aumentava.

LOURENÇO - Dois...

OTO - (gritou, embaraçado) Não tou enganado. Vem gente por aí.

CEMA - Num diz, seu Bastião. Num diz!

LOURENÇO - Se acabô o tempo.

VIRGÍLIO - (com requintes de sadismo, estimulou) Atira, atira nela!

SEBASTIÃO - (temeroso, acedeu) Eu digo! Eu digo, mas acende o lume, pra mim vê as cara de ocês.

LOURENÇO - Não dá tempo pra isso. Diz logo. Anda, velho!

Com os dedos em gancho o ancião apontou para o quarto.

SEBASTIÃO - Ali... onde os menino dorme.

Rápidos os homens deslizaram para o cômodo do lado. Ao longe o rumor do tropel aumentava de intensidade. Lourenço empurrou o velho até o quarto, dobrando-o com uma chave-de-braço. O velho gemia. Cema em desespero, tentava ganhar tempo.

CEMA - Num diz, seu Bastião. Não conta! Não conta!

O tropel tornava-se mais claro.

CORTA PARA:

CENA 6 - CASA DO RANCHO CORAGEM - QUARTO - INT. - NOITE.

Lourenço forçou o velho mais fortemente. Sebastião mostrou o lugar exato onde João escondera a pedra.

SEBASTIÃO - É aqui! No chão... enterrado.

LOURENÇO - (gritava para os asseclas) Cuidado! Se ele mentiu, acertem nele antes dos cavalo chegá por aqui.

Com as mãos em atividade, os homens retiraram a pedra que ocultava o local, depois de afastarem rudemente o velho garimpeiro, derrubando-o sobre o chão de barro.

OTO - (gritou da porta de entrada) Mais depressa! Já estão mais perto!

Removida a terra, surgiu diante dos olhos ávidos dos assaltantes a bolsinha de couro de João Coragem. Lourenço examinou-a, ràpidamente.

LOURENÇO - É ela... Vamos indo. (deu as ordens) Ocês seguem na frente... eu me encontro com ocês mais adiante. Pra despistá os home que vêm aí. Cada um segue um caminho.

Deixaram o rancho correndo, escapulindo pelas laterais escuras da estrada.

FIM DO CAPÍTULO 46


E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

GRANDES EMOÇÕES NA VIDA DOS IRMÃOS CORAGEM: OS CAPANGAS DE PEDRO BARROS INVADEM O RANCHO PARA ROUBAR O DIAMANTE, AGRIDEM CEMA E DEIXAM O VELHO SEBASTIÃO Á BEIRA DA MORTE.

NA PERSEGUIÇÃO AOS BANDIDOS, DUDA LEVA UM TIRO NA PERNA!

NÃO PERCA O CAPÍTULO 47 DE

segunda-feira, 23 de maio de 2011

LOCOMOTIVAS - CAPÍTULO 4

NOVELA DE CASSIANO GABUS MENDES

CAPÍTULO 4


Enquanto dava as últimas ordens a Adelaide, Kiki pensava sobre o significado daquele jantar: "Milena continua firme em sua decisão de se afastar de Fábio e Fernanda ainda tem esperanças de conquistá-lo. Tanto que fez questão de que ele também fosse convidado. Na certa, deve estar armando algum truque para chamar a atenção dele. Só que nem ela nem Milena sabem das verdadeiras intenções do moço. Ele virá disposto a fazer tudo para recuperar Milena".

Decidiu ir conversar com ela. Encontrou-a no quarto, escovando os cabelos, quase sem maquilagem e vestindo uma roupa das mais comuns. Dessas que costumava usar durante o trabalho. Naquele momento, com um olhar quase profissional, Kiki avaliou a aparência da filha: parecia-se menos com ela do que com o pai. Havia mais de trinta anos não via o rosto daquele homem. Mas aqueles traços ficaram para sempre gravados em sua lembrança. Milena não poderia ser considerada uma beleza clássica. Não tinha, por outro lado, uma aparência moderna. Olhos grandes, boca rasgada, nariz amado, seu rosto era antes de mais nada original e, acima de tudo, muito agradável. Revelava quase todas as características positivas de sua personalidade: firmeza de caráter e honestidade. Mas não custava nada se enfeitar um pouco e ajudar a natureza.

- Milena... por que é que você não coloca um vestido mais alegre?

- Por que, mamãe? A gente tem alguma visita especial hoje?

Ela não sabia que Fábio estaria ali naquela noite. Se soubesse, nem teria ficado em casa. Era bem seu feitio: uma vez tomada a decisão, fazia de tudo para que ela fosse mantida. O único jeito agora era esconder um pouco a verdade.

- Não, filha, que eu saiba, não. É que as crianças convidaram alguns amigos e estão todas muito bem arrumadas. É bom a gente se embonecar de vez em quando. Você não acha?

- Sabe, mamãe, o Fábio não pára de me telefonar... - Não diga... - Kiki fingiu que não sabia. Na verdade, o próprio Fábio tinha lhe contado sobre o esforço que vinha fazendo para tentar se entender com Milena. Esse jantar, aliás, tinha sido idéia dele.

- Eu não sei o que fazer mamãe...

- Pois eu sei... Agarre esse amor com unhas e dentes!

- E a Fernanda?

- Você está se preocupando demais com ela, ouve o que estou te dizendo. Ela é uma criança. Tem toda a vida pela frente. Tem tempo de sobra para se apaixo nar mais de vinte vezes... E você?

- Eu acredito que só se ama de verdade uma vez na vida, mamãe. E essa é a vez da Fernanda. Não posso fazer uma coisa dessas com minha própria filha. Ela vai me odiar para sempre!

- Que bobagem, daqui a uma semana ela esquece tudo...

- Eu me sinto tão culpada em relação a ela...

Kiki conhecia muito bem aquela espécie de culpa. Mas também sabia de tudo o que Milena fizera por Fernanda. Nunca se revelara como mãe da menina, sempre agira como tal, cuidando, aconselhando, amamentando, trocando fraldas, ajudando a fazer a lição de casa. Tudo o que as mães costumam fazer pelos filhos Milena fez por Fernanda. Só não lhe deu um pai. E isso era o que a fazia se sentir tão culpada. Essa fascinação por um homem mais velho só podia ser reflexo da infância que ela tivera. Só podia ser resultado da falta de uma figura paterna.

- Você sabe que não havia condições de contar a verdade. Você tinha apenas quinze anos quando ela nasceu. O certo seria ter revelado tudo logo de cara, quando ela começou a entender as coisas. Mas aí a gente não contou por culpaminha, lembra? Fui eu que não tive coragem...

- Eu também não tive...

- Vamos encarar a realidade, Milena. Fernanda não está apaixonada de verdade. Ela está apenas procurando um pai!
Fernanda passou o dia todo se preparando para aquele jantar. Não descuidou de nenhum detalhe. Pela manhã fez ginástica e tomou uma sauna seguida de massagem. Passou a tarde no instituto, onde cumpriu o ritual completo de embelezamento, Cuidou das unhas, dos pés, dos cabelos e da pele. Maquilou­se com o melhor profissional da casa e comprou uma roupa nova para a ocasião.Agora, em frente ao espelho, escolhia os brincos e sapatos que deveria usar no jantar.

Kiki tinha lhe avisado que não tentasse nenhum truque naquela noite. Mas o que ela ia fazer não poderia ser chamado de truque. Seria apenas um recurso milenar usado pelas mulheres que precisam despertar a atenção de um homem indiferente. Mesmo sem ter tido muita experiência com o sexo oposto, ela sabia, por tudo o que tinha visto nos filmes e lido nos romances, que o bicho homem é essencialmente competitivo. Nenhum homem fica indiferente quando vê o interesse de outros homens por determinada mulher. Quer logo saber o que é que ela tem de especial e quer se afirmar roubando-a dos outros e tomando-a só para si.

Em resumo, Fernanda planejava fazer ciúme para Fábio naquela noite. Não acreditava no que Milena dissera. Esse negócio de desistir do Fábio só podia mentira. Uma maneira de fazer charme e deixá-lo ainda mais envolvido. Por que motivo ela deveria desistir dele? Não se encontra um cara lindo assim a toda hora. Muito menos Milena, que já não era mais um broto, e nunca tivera vocação para freira. Ela devia estar esperando esta oportunidade há muito e não iria desperdiçá-la.

Só faltava agora escolher o parceiro para o seu teatrinho. Para fazer frente Fábio, seria preciso um homem que de fato chamasse a atenção. Alguém muito bonito e elegante. Mentalmente, Fernanda passava em revista todos os seus conhecidos e não se decidiu por nenhum. Perto de Fábio, todos pareceriam um bando de frangotes insignificantes. De repente, veio a solução: aquele português que outro dia a Gracinha tinha lhe apresentado na porta do instituto. Era de uma beleza excepcional. Como se chamava mesmo? Lembrou-se do cartão que ele tinha lhe dado aquele dia, com o telefone do bar. Correu para o telefone e fez o convite.

Machado não podia acreditar, mas era verdade. Fernanda tinha feito o convite de forma muito clara. Ele iria jantar na casa dela esta noite. Escovou com cuidado seu único terno e tentou fazer o laço da gravata parecido com o que tinha visto na televisão. Por sorte a noite não estava muito quente e seria possível suportar o terno de lã que trouxera de Portugal. O corte estava completamente fora de moda. Mas isso não tinha a menor importância. A euforia de encontrar com Fernanda era maior. Além disso, esse era o primeiro convite para um acontecimento social que recebia, desde que tinha chegado ao Brasil.

Assim que Machado entrou, Fernanda apresentou-o a todos. Não largava a mão dele e, de vez em quando, deixava que passasse o braço em sua cintura e andava abraçada a ele. Até que chegou a vez de apresentá-lo a Fábio: - Fábio! Este é o Machadinho... o meu novo amor! Fernanda esperava uma reação terrível, mas só conseguiu obter uma resposta protocolar e indiferente:

- Ah, é? Muito prazer...

Naquele momento, Fernanda percebeu que o estratagema não iria fazer qualquer efeito. E quando, mais tarde, Fábio chamou todos para o meio da sala e pediu a palavra, ela sentiu o chão se abrir sob seus pés.

- Eu queria que todos vocês ouvissem o que eu tenho a dizer...

Kiki já esperava por isso e puxou Renata, Paulo, Patrícia e Netinho, que ouviam música na sala ao lado. Machadinho estava quase morrendo de vergonha por Fernanda tê-lo apresentado daquele jeito e Milena sentiu um gelo na base da espinha.

- Dona Kiki Blanche, eu gostaria de pedir a mão de sua filha Milena em casamento!

Todos festejaram, batendo palmas e gritando "parabéns". Menos Fernanda e Milena. Esta esperou o rebuliço terminar para chamar Fábio num canto e dizer:

- Não dá, Fábio... Parece que você ainda não me entendeu. Não há futuro para nós dois. Eu nunca vou me casar com você.

Tudo acontecia exatamente como Machadinho havia previsto. Passados os primeiros dias, quando o Tia Joana abria as portas só para que a noite entrasse, o sucesso veio para ficar. Todas as noites havia filas de pessoas esperando por uma mesa. Vítor já começava a sonhar com os lucros e a planejar seus investimentos. Joana e os pais ajudavam na preparação da comida, e, quando necessário, se revezavam atrás do balcão para servir o chope gelado. Só duas pessoas não se deixaram contaminar pelo sucesso do bar, e essas eram justamente Lurdinha e Gracinha. É claro que Gracinha ficava satisfeita em ver os pais e os avós com novas esperanças, envolvidos no trabalho do Tia Joana. Mas a única coisa que lhe ocupava a mente era sua paixão por Machadinho. Desde a noite em que ele a beijara, Gracinha não conseguia mais parar de esperar pelo próximo momento de romance; chegava a sentir os braços imaginários de Machadinho envolvendo seu corpo frágil de menina-moça. E assim dividia seu tempo ocioso, pensando na paixão pelo rapaz e no ciúme que sentia de todas as garotas que se aproximavam dele, quando ele gentilmente as recebia no Tia Joana.

" Está certo", pensava Gracinha. "Ele precisa ser gentil com as freguesas. Mas será que também precisa ficar sorrindo para Fernanda, todas as vezes que ela vem aqui?" Com esses pensamentos, afastava a paixão e deixava-se consumir pela raiva, seu mais grave defeito e sua maior fraqueza.

Lurdinha sabia que não era tão atraente como a amiga e, por isso, teria de usar armas mais sutis na conquista de Machadinho. O primeiro passo já estava dado: terminara o namoro com Cássio, amigo de Netinho, um rapaz simples e muito delicado, a quem simplesmente dissera adeus. Agora seria apenas uma questão de planejar tudo muito bem, e partir para a conquista de Machadinho. Ele era mais velho, mais experiente, mas certamente não era mais esperto do que ela... Pelo menos, isto era o que Lurdinha acreditava ser a verdade.

Enquanto Gracinha pensava em Machado, fazia as unhas de Carla Lambrini, uma mulher bonita e milionária, assídua freqüentadora do salão de Kiki Blanche. De repente, ouviu a voz de Fernanda, e sentindo raiva e ciúme feriu a mão da cliente:

- Ai! - gritou Carla. - Você me machucou!

- Desculpe, dona Carla! Eu juro que isso não vai mais acontecer! - Acho bom, menina. Não ia ser nada bom pra você se eu fosse me queixar pra Kiki...

"Maldita Fernanda", pensava Gracinha. "Até em pensamento. ela é capaz de me atrapalhar!" E seguiu seu trabalho com cuidado redobrado, como redobrado era agora o ódio por Fernanda, sua única rival na conquista de Machadinho. Pelo menos, era o que Gracinha julgava, já que não imaginava nem de longe que a amiga Lurdinha era sua única e verdadeira ameaça... Patrícia não era o anjo que fingia ser. Não relutou nem mesmo por um minuto quando o pai lhe ofereceu um carro, em troca de seu afastamento de Paulo. Afinal, Paulo representava para ela pouco mais que um companheiro, um escravo de sua beleza, que poderia facilitar a saída de casa. Mas um carro seria mais eficiente que Paulo, e poderia aproximá-la ainda mais de Netinho, que no momento era seu único interesse.
Renata não era problema para Patrícia, apesar de ser a namorada de Netinho. Um rapaz como ele, dominado pela mãe, precisava de alguém mais forte, mais esperto que Renata, e isso Patrícia certamente podia oferecer. A convivência dentro de casa com a tirania do pai e a passividade da mãe havia lhe ensinado a agir com muita astúcia e inteligência. Não foram poucas as vezes que saiu pela janela, furtivamente, enquanto os pais dormiam tranqüilos. Para ela, essas fugas noturnas representavam não apenas a diversão, mas a prova de que sempre conseguiria tudo o que quisesse. Ou quase tudo...

Naquele mesmo dia, começou sua aventura. Inventou uma mentira para a professora de piano e faltou à aula. Mas pra sua mãe as aulas aconteciam todas as semanas, religiosamente. Patrícia telefonou para Paulo, simulou soluços e voz chorosa, e disse que não poderia mais vê-lo, a partir daquele dia, sob a pena de ficar ainda mais presa em sua casa.

Contornadas todas as barreiras, piano, mãe e Paulo, Patrícia saiu de casa apressadamente e foi ao encontro de Netinho no banco onde trabalhava. Faltava pouco tempo para a hora da saída. Com um pouco de sorte, poderia até sair com ele e, quem sabe, namorar um pouco na praça ou no escurinho do cinema, onde beijos muito românticos costumam acontecer.

Renata não era o tipo de menina que alguém poderia chamar de "extrovertida", mas também não era nenhum poço de timidez. Apesar de insegura e dependente, tinha seus momentos de impulsividade. Naquela tarde, achou que seria ótimo encontrar Netinho na saída do trabalho. Não havia nada de errado em buscar o namorado na saída do banco. Quem sabe ele achasse a idéia boa e até a levasse a um cinema. Havia bons filmes em cartaz, embora isso não viesse ao caso...
Netinho, como sempre, deixava-se dominar por todas as pessoas que se aproximavam dele. A começar pela mãe e também Patrícia, mulheres de personalidade muito mais forte que a sua. Por isso mesmo, achou até natural quando viu Patrícia entrando no banco, quase no fim do expediente. Netinho já estava com suas coisas prontas para sair, e, ao vê-la, acenou para Cássio e a acompanhou até a rua.

- Fiz mal em vir aqui, amor? - perguntou Patrícia, com seu falso ar de ingenuidade.

- Claro que não, Patrícia! Eu não estava esperando, mas até que foi uma boa surpresa.

- Será que... nós poderíamos dar uma voltinha, ir até a praça do chafariz, ou pegar um cinema?

Netinho pensou em seu primeiro problema: dinheiro. O que já eliminava o cinema. O passeio de carro também implicaria, gastar gasolina à toa. O melhor mesmo seria um passeio a pé pela beira da praia, que não custava nada e ainda lhe serviria para refrescar a cabeça.

Eles estavam ainda tentando decidir o que fazer, parados em frente ao banco, quando Renata os avistou de longe. De início, pensou em uma coincidência. Patrícia poderia ter conta naquele banco, e o teria encontrado. Mas a porta do banco já estava fechada, e justamente naquele dia ela havia desmanchado com Paulo.

Seria muita coincidência num dia só! Renata se escondeu atrás de um carro estacionado na rua, tomando cuidado para que não fosse vista.

Netinho e Patrícia caminharam até o carro, lado a lado, um pouco juntos demais para dois simples conhecidos...
Renata não podia acreditar no que via. Ali estava Netinho, a poucos passos de distância segurando a mão de Patrícia, apoiado no carro, e olhando-a no rosto fixamente. Com ela, ele mal trocava algumas palavras, e estava sempre convidando Cássio para sair junto, como se quisesse evitar de ficar a sós com a namorada.

Mas isso não foi tudo. Pouco depois, Renata viu a cena mais dolorosa de sua juventude: Netinho, seu namorado, seu doce e querido amado, tomava Patrícia nos braços e a beijava demoradamente, ali, na frente de todas as pessoas que passavam, sem medo nem pudor..

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Ela não sabia o que fazer. Primeiro, pensou em ir correndo até lá e arrancar Patrícia de Netinho, colocando-se em seu lugar, beijando-o daquele mesmo jeito, como nunca fora beijada por ele. Mas não teria coragem de se expor, de passar ridículo na frente dela. Continuou ali, parada, vendo os dois entrando no carro, e saindo na direção oposta ao caminho de volta da casa dele.

Renata segurou-se no carro, sentindo as pernas fracas e trêmulas, e foi se arrastando para não cair no chão. Ao olhar-se no vidro da janela, viu duas grossas lágrimas lhe correndo pelo rosto pálido, cansado, farto de sofrer e de perder sempre suas mais lindas ilusões. Não era um compromisso fixo, mas sempre que possível Netinho passava com o carro no ponto de ônibus onde Celeste o esperava, e iam juntos para casa. Ela sabia que ele costumava sair com Patrícia, ou com Renata, no fim da tarde, depois do expediente. Mesmo assim, deixava sempre o primeiro ônibus passar, o segundo, na esperança de que ele acabasse passando por lá para uma carona.

Não era tanto pelo conforto de ir para casa de automóvel, mas pela companhia dele. Celeste sempre pensava em Netinho com ternura, sentia pena do quanto ele sofria nas mãos de Margarida, e tinha prazer em ficar a seu lado. Apesar de muito mais jovem, ele já era um homem, bonito, sincero e atraente...
Depois de ver passar os três ônibus que costumava pegar, Celeste desistiu de esperar. Chegou em casa, e jogou-se no sofá, para descansar. Foi quando Margarida entrou, sem nem ao menos bater à porta.

- Onde é que está o Netinho? Ele não trouxe você de carona?

- Não, Margarida. Eu vim de ônibus. E, depois, o Netinho não tem obrigação de me trazer de carro. Nós combinamos que, se ele passar no ponto de ônibus, tudo bem, e, se não der, não faz mal...

Margarida não gostou de saber que Netinho não passara para pegar Celeste. Isso só podia significar uma coisa: ele estava com alguma garota, e talvez até mesmo com Patrícia.

- Se ele estiver com aquela tal de Patrícia, ele vai ver só do que sou capaz!

- Ah, Margarida, que coisa! Vai ver que ele só foi dar uma volta, tomar cerveja com o Cássio...
- Eu conheço muito bem o meu filho! E conheço também as meninas hoje, que só querem saber de pouca vergonha com os rapazes... Mas ela me paga! Ela vai ver com quem está se metendo! - e saiu sem dizer mais nada.

Chegando em.casa, Margarida telefonou para a casa de Kiki Blanche, perguntando por Renata, que não estava. Abriu o caderno de endereços de Netinho e ligou para Patrícia, que também não estava. Não havia dúvida. Com uma duas ele deveria estar. E, se sua intuição de mãe não lhe traísse, só poderia ser com Patrícia...

Fábio parou o carro e tentou convencer Fernanda, pela última vez, de que não queria ir ao Tia Joana com ela. Mas não adiantava. Era muito difícil conseguir contrariar aquele demônio em forma de mulher. O mais fácil mesmo era fazer o que ela queria. E depois não havia nada de mal em passar alguns bons momentos no bar, saboreando os deliciosos acepipes portugueses que Machadinho preparava tão bem.

Deixou-se levar pela teimosia de Fernanda, e entrou com ela no Tia Joana. Mal entrou, Fábio avistou Milena, de costas para ele, sentada numa mesinha ao lado de Celeste e de sua irmã Sílvia. Com sua experiência de quarentão, sabia que alguma coisa ia acabar saindo mal.

- Que azar, Fábio! A Milena está aí...

- Azar seu, Fernanda. Para mim, foi uma sorte... Assim eu posso ficar com alguém da minha idade, e que muito me interessa...

Fábio puxou uma cadeira vaga na mesa de Milena e sentou-se, sorridente. Fernanda, para não ficar sozinha, procurou a companhia de Machadinho.

Sílvia foi a primeira a expressar sua surpresa ao ver o irmão ali.

- Mas que surpresa agradável! Nada como um homem para enfeitar uma mesa com três solteironas! Celeste, este aqui é o meu irmão Fábio, de quem eu sempre falo.

Os dois se cumprimentaram sem muita cerimônia. Milena estava de cabeça baixa, tentando controlar a emoção de rever o homem amado, e não se atirar em seus braços na frente da irmã. Pensou em se levantar dali, mas Fábio foi mais rápido.

- Milena, eu gostaria de conversar com você, agora, em particular.

- Infelizmente eu sou educada demais para mandar minhas convidadas embora, Fábio! Se você quiser, conversamos aqui todos juntos.

- Milena, por favor, você sabe que não é a mesma coisa.

- Ih, Milena, que chatice! Converse um pouco com meu irmãozinho, porque ele anda muito tristonho de uns dias pra cá ... - disse Sílvia.

- Está bem. Eu vou aproveitar pra respirar um pouco de ar lá fora - e se levantou da mesa, seguida por ele.

Ao perceber que Fábio e Milena estavam juntos, Fernanda resolveu iniciar ali uma pequena cena de ciúme. Sentou-se em uma mesa onde dois rapazes tomavam cerveja sozinhos e, sem a menor cerimônia, apresentou-se e começou a conversar. Lá fora, Fábio e Milena continuavam um misto de conversa e discussão.

- Não tem sentido, Milena! Você está jogando tudo pela janela, por causa daquela idiota da sua irmã!

- Ela não é idiota, Fábio! Idiota é quem não percebe que ela está apaixonada por você! E depois... eu acho que já não sinto mais nada por você, mesmo. Não é só por ela, é por mim.

Fábio segurou as mãos dela nas suas, com paciência e amor.

- Milena, não tente me enganar. Eu sou um homem experiente e sei diferenciar uma mulher que me ama de uma mulher que não me quer. E posso dizer que você me quer, me deseja, me ama da mesma forma que amo você...

A vontade de fraquejar dava ainda mais forças para que ela se afastasse dele. Resolveu pensar e agir como mãe de Fernanda, e disse uma única frase, antes de deixá-lo ali sozinho:

- Você pensa que todas as mulheres têm obrigação de gostar de você? Pois eu tenho o privilégio de ser a primeira a dizer que você é um grosso, um convencido. Eu não sinto nada, absolutamente nada, por você!

Sílvia e Celeste logo perceberam que alguma coisa errada estava acontecendo e, em solidariedade à amiga, pegaram suas bolsas, foram até o balcão, pagaram a conta e saíram com Milena de volta para casa.

Fábio ainda caminhou pela calçada durante algum tempo, e viu Milena saindo de lá com as duas amigas.

Não sabia por onde começar a resolver o problema. Nem ao menos podia compreender a súbita mudança no comportamento dela. Na última vez em que estiveram juntos, tudo estava perfeitamente certo, definido, maravilhoso. Nem mesmo Fernanda poderia impedir. Alguma coisa de muito estranha estava acontecendo com Milena, e isso os estava afastando.
Fernanda começou a se impacientar com a ausência de Fábio. Tinha visto o momento em que ele e a irmã saíram. Em seguida, vira Milena sair com as amigas. Por que então ele demorava tanto a retomar ao Tia Joana? Resolveu deixar os dois rapazes na mesa e correu até a calçada para tentar encontrá-lo. Mas chegou tarde demais. Tudo o que pôde ver foi o carro de Fábio dobrando a esquina, transportando seu difícil amor para longe dali.

Voltou ao bar e foi à procura de alguém que a levasse para casa. De preferência Machadinho, que era seu fã número um e, no momento, o único homem bonito que poderia reconstituir seu ego ferido.

Encostou-se no balcão e puxou Machadinho pela roupa tão logo ele passou por ela.

- Machadinho, eu estou precisando de você.

Ele hesitou em responder, porém resolveu conversar, mostrando um pouco de frieza.

- Para quê? Pra me levar outra vez a sua casa e brincar com meus sentimentos? Ou desta vez você quer que eu faça papel de noivo na frente de sua família?

- Ah, Machadinho, eu já expliquei mil vezes pra você que aquilo foi só brincadeira. Agora é sério. O Fábio me trouxe aqui, foi embora e me largou sozinha, sem dinheiro e sem carro. Será que você não poderia me acompanhar até em casa?

Ele não pôde resistir. Gostava dela. Achava-a diferente das outras mulheres, se é que se poderia chamar aquela menina com ar de criança de "uma mulher". Ela exercia grande fascínio sobre ele, o que nunca sentia quando estava com Gracinha. Apesar de terem a mesma idade, Gracinha e Fernanda eram como água e vinho. E, para seu gosto português, o vinho agradava muito mais a seu paladar... Assim, Machadinho deixou Chico Rico tomando conta do bar e saiu com Fernanda, enquanto Gracinha, na porta da cozinha, segurava-se para não chorar, nem de amor, nem de ódio.

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Lurdinha tinha planejado tudo muito cuidadosamente. Desta vez, ela iria conseguir a coisa que mais queria no mundo - aquele rapaz encantador, que não a deixava dormir tranqüila -, o seu querido Machadinho.

Esperou até que todos estivessem dormindo e levantou na ponta dos pés, para que Gracinha não acordasse. Desceu a escada no escuro, sentindo as paredes com as mãos, e tomando cuidado para não tropeçar nos degraus. Em tempo, chegou até o salão do bar, onde Machadinho dormia. Voltou até a cozinha e acendeu a luz do corredor. Depois de poucos passos, estava novamente ao lado do rapaz, desta vez podendo vê-lo na penumbra, respirando tranqüilamente. Nesse instante, Lurdinha fez o que já tinha preparado: foi até a geladeira, pegou um copo de leite e esbarrou propositalmente na cama dele. Com isso ele acordou, um pouco assustado, e viu Lurdinha a sua frente.

- Desculpe, eu esbarrei sem querer na cama... eu só vim pegar um copo de leite.

Machado arrumou o cabelo com a mão e sentou-se na cama, com as pernas para fora das cobertas.

- Não foi nada, Lurdinha, eu é que tenho sono leve.

Lurdinha sentou-se a seu lado, seguindo em frente com o plano, que estava funcionando muito bem, Sabia que ele não a achava muito atraente, por isso escolhera sua, camisola mais transparente e sensual, na esperança de que conseguisse chamar atenção. E, usando toda a sua capacidade de fingir, mostrou-se doce e meiga com o pobre rapaz.

- Sabe, Machadinho, eu me sinto muito só nesta casa... Todos são bons mim, mas afinal não são meus parentes nem nada. Por isso eu não consigo dormir... - e, enquanto dizia essas palavras, aproximava-se ainda mais de Machadinho, fazendo força para que seus corpos se tocassem, ainda que de leve.

Machado, que também sentia saudade de sua terra, e partilhava da mesma solidão, se deixou enternecer pelas palavras. Foi o bastante para que Lurdinha desse o bote: encostou-se nele e ofereceu-lhe a boca, fechando os olhos e enlaçando-o pelo pescoço. Diante disso, nada restava a ele senão beijá-la nos lábios, correspondendo ao abraço dela. Esse foi o maior erro e a desgraça de Machadinho. Tão logo acabou de saborear o beijo, Lurdinha começou a gritar por socorro, empurrando-o e correndo até a cozinha, tomando o cuidado de despentear os cabelos e desarrumar a camisola intacta.

Todos na casa acordaram e foram ajudar a menina. Gracinha foi a primeira a vê-la chorando e a ouvir suas falsas confissões de que Machado havia tenta­do agarrá-la. Vítor e Joana desceram em seguida e ouviram a mesma história, enquanto Chico Rico e Marcelina desciam a escada ainda sonolentos. Machado estava encostado no batente da porta da cozinha, tentando falar com Gracinha, que não lhe dava ouvidos. Por mais que ele explicasse que não tinha feito nada, ninguém lhe dava crédito. Chico Rico foi o único que lhe escutou, do começo até o fim, prestando atenção em cada detalhe da história que o moço contou. Parecia impossível que uma menina como Lurdinha fosse capaz de armar uma trama como aquela. E diante desse fato Machado ficou sendo, para toda a família, o vilão, o carrasco, e Lurdinha, a vítima ingênua, que só havia levantado para tomar um copo de leite...

A partir desse dia, o clima de amizade e afeto na casa de Vítor mudou para uma atmosfera densa e carregada. Lurdinha não podia mais sair de seu papel de mocinha violentada e fingia o tempo todo. Gracinha passou a odiar Machado e a sentir-se uma idiota por ter se apaixonado por um homem que agarrava todas as mulheres indefesas. Vítor temia que, por causa desse incidente, a sociedade pudesse ser desfeita. E sem Machadinho, o Tia Joana deixaria de existir! Somente Joana e Marcelina estavam ainda em dúvida quanto ao acontecido, já que não viam em Lurdinha a santa que Gracinha parecia ver. Chico Rico, o mais experiente de toda a família, não estava certo quanto à inocência de Machadinho, mas mesmo assim já o tinha perdoado.

Machadinho decidiu que o tempo provaria tudo, e, enquanto isso não acontecesse, desfrutaria seus dias de Brasil ao lado de Fernanda...

Renata não sabia mais no que pensar para que a imagem de Netinho se afas­tasse de sua cabeça. A noite sonhava com ele. Durante o dia, falava dele com as irmãs e as amigas. Fazia de tudo para esquecê-lo, mas quando menos esperava a lembrança do ex-namorado voltava. As pessoas com quem conversara sobre isso tinham opiniões das mais variadas. Fernanda achava que era o caso de quebrar a cara de Patrícia e agarrar de novo Netinho. Milena dizia que era preciso conversar com calma e tentar entender por que ele beijara Patrícia.

- E você, o que acha, mamãe?

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O conselho de Kiki não poderia, é claro, conter nenhum radicalismo. Muito mais quando se tratava de um caso que envolvia a filha de Sérgio Mello ­ pela qual, aliás, o Paulo estava loucamente apaixonado. Era preciso muita prudência, mas, antes de tudo, seguir a voz do coração.

- Você ainda gosta dele, minha filha?

- Claro que sim! Não penso em outra coisa Não consigo mais dormir, nem comer... Não tenho vontade de fazer nada

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- É preciso que você considere a educação que o homem brasileiro recebe, Renata...

- Como assim, mamãe?

- Quando a mulher se oferece, o brasileiro precisa corresponder. Senão, ele mesmo começa a duvidar da sua masculinidade...

- Mesmo que ele a despreze como pessoa?

- Claro que sim. Ainda mais no caso de um rapaz assim tão inseguro e dominado pela mãe como é o Netinho...

- É o nosso tradicional machismo, não é, mamãe?

Aquela conversa foi definitiva para que Renata tomasse uma decisão: faria as pazes com Netinho.

NÃO PERCA O CAPÍTULO 5 DE
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