segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 4

Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair


CAPÍTULO 4


CENA 1 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA GRANDE - ALPENDRE - INT. - DIA.

No alpendre da casa grande da fazenda, Estela e Pedro Barros conversavam. Típica construção do interior, com salas imensas, varandas largas, paredes fortemente caiadas e interiores decorados com ostentação e mau gosto. No terreiro algumas galinhas ciscavam á procura de alimento. Vários homens tentavam aquietar a indocilidade de um touro nas cercanias do curral. Maria de Lara acabava de chegar. Os pais foram ao encontro da filha.

PEDRO BARROS - Então? Gostou da cidadezinha? Muita diferença?

MARIA DE LARA - Não sei, pai. Saí daqui tão criança que nem me lembrava mais. Algumas coisas sim... algumas coisas tinham ficado na minha memória.

ESTELA - Mas a cidade não mudou nada. Aquele mesmo atraso. Aquela mesma gente inexpressiva.

MARIA DE LARA - Sim, mas a miséria do povo... Porquê há tanta miséria, pai, numa região tão rica?

PEDRO BARROS - É a gente que é preguiçosa, não quer trabalhar. Acham um diamantezinho, um olho de mosquito, vem aqui, vendem e só voltam a trabalhar depois que o dinheiro acaba.

MARIA DE LARA - Mas a maioria não é empregada no seu garimpo?

PEDRO BARROS - (titubeando, com visível aborrecimento) É preciso vigiar dia e noite pra não me roubarem. Ontem mesmo um deles engoliu uma pedra. Tivemos de lhe dar uma dose dupla de óleo de rícino e o desgraçado, ainda assim, não devolveu a pedra. Nem com purga, nem com sova. Negro danado...

A criada apareceu anunciando o almoço.

CORTA PARA:

CENA 2 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA GRANDE - SALA DE JANTAR - INT. - DIA.

Pedro Barros, Maria de Lara e Estela almoçavam.

Os gestos grosseiros de Pedro Barros impressionavam a jovem desacostumada a suas maneiras rudes. Era duro no falar, duro nas expressões. Um pai que não se ajustava ao seu modo de proceder e de ver as coisas.

MARIA DE LARA - (voltando ao tema) O povo de Coroado parece gente muito triste, mesmo vivendo num lugar onde se tem tudo para ser alegre.

ESTELA - Alegre? Aqui? Neste fim de mundo? Isto é um buraco horroroso.

PEDRO BARROS - (eriçando-se) Mas é aqui que eu ganho a vida.

ESTELA - Sim, é aqui que você enche a pança. Mas é aqui que eu enterro minha mocidade, Pedro. Você está podre de rico, mas até hoje eu ainda não vivi. Presa neste desterro sem ver o mundo.

MARIA DE LARA - Papai tem razão. Esse é o negocio dele.

ESTELA - Você diz isso porquê sempre viveu na cidade. Queria que você vivesse aqui. Como eu. Em meio a essa gente porca e ignorante.

Pedro Barros isolara-se do mundo. Nada ouvia. Devorava um frango, mãos ensebadas, tirando dos ossos a carne gorda. Restos de comida caíam-lhe pelos cantos da boca.

ESTELA - (enojando-se com a visão repelente do marido) Ô homem, vê se não se lambuza tanto! Parece um animal.

PEDRO BARROS - Comer frango sem se lambuzar, não tem graça.

Lara se incomodava com as reprimendas e reações da mãe. Via o pai, animalesco, desligado das etiquetas, inteiramente absorvido no ato de comer. A seu lado a mãe - jovem ainda nos seus quarenta anos – revoltada contra anos de maus tratos e solidão forçada.

Lourenço entrou intempestivamente. Era homem de meia-idade – bem conservado, com certo charme – de modos decididos. Sólido como a própria região do garimpo. Entrou com a naturalidade do hábito diário.

LOURENÇO - Boas tardes, coronel. (desconcertou-se um pouco com a presença de Lara) Não sabia que tinha visita.

PEDRO BARROS - (sem levantar os olhos do prato, voz embargada pelo frango gordo) É minha filha Lara. Maria de Lara. Chegou ontem do Rio. Esteve lá estudando. Voltou doutora.

ESTELA - (corrigindo) Que doutora, Pedro. Professora.

PEDRO BARROS - É a mesma coisa. (e voltando-se para a filha) Êsse é o Lourenço, meu braço-direito aqui em Coroado.

Os olhos da moça e os do recém-chegado encontraram-se durante fração de segundos. Das mãos grossas e calosas do capataz sobressaiam dedos fortes. Cabeludos. Lara fixou o brilho dos anéis. Pedras coruscantes, imensas. Lembrou-se da gente humilde das redondezas. Casas de barro, coberturas de sapé, chão de terra. Vidas miseráveis. E das palavras do pai – “...é preciso vigiar dia e noite para não me roubarem...”

LOURENÇO - (dirigindo-se ao coronel) O senhor sabe qual foi a resposta que o patife do João Coragem lhe mandou?

Pedro Barros ergueu a cabeça, atento, limpando os lábios com o dorso das mãos.

LOURENÇO - Ele e o irmão mandaram dizer que vão vender diamantes pros gringos ou pra quem quiser.

PEDRO BARROS - (com uma chispa de cólera nos olhos, levantou-se num repelão) Pois eu quero ver alguém vender diamante pros gringos. Vou pagar pra ver isso.

A ira do coronel crescia amedrontadoramente.

PEDRO BARROS - (desaparecendo pela porta) Juca! Juca Cipó! Onde se meteu esse desgraçado?

LOURENÇO - Fique descansado, coronel. Tou vigilante. Tem homem por todo canto da cidade e eles não vão ser bestas de trair a gente...

Os gritos de Pedro Barros ecoavam no interior da casa.

PEDRO BARROS - (off) “Juca! Moleque safado!”

ESTELA - (dirigindo-se ao homem, com intimidade) Porquê não tem vindo aqui? Esqueceu que eu existo?

LOURENÇO - (num balbucio) Muito trabalho. Muito trabalho.

ESTELA - (parando a poucos passos do capataz, olhos vidrados, voz adocicada) E durante todo este tempo não sentiu um pouquinho de saudade de mim? Jura?

Os berros de Pedro morriam na distancia.

PEDRO BARROS - (off) “Juca! Moleque desgraçado!”

CORTA PARA:

CENA 3 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA GRANDE - SALA - INT. - DIA.

Na sala – em silencio – Lourenço abraçava Estela. Lábios unidos na expressão do desejo. O choque de Lara foi imenso. Levou as mãos á cabeça. “Aquela dor maldita...” Atravessou a sala e num gesto de desespero, desapareceu pela mesma porta onde, minutos antes, o pai, encolerizado, saíra aos gritos de “Juca Cipó”.

Estela e Lourenço afastaram-se ante a inesperada visão da moça.

ESTELA - Lara! Maria de Lara! Minha filha!

Reinava silencio na casa grande.

CORTA PARA:

CENA 4 - COROADO - ESTAÇÃO - EXT. - DIA.

Na pequena estação de Coroado o apito do trem deu início á loucura.

HOMEM - Pessoal, lá vem o trem!

Durante todo o dia a vida da cidadezinha se transformara num esperar-que-não-tinha-fim. Os preparativos para a chegada começaram manhã cedinho. Por ordem do prefeito foi decretado feriado municipal. O velho juiz de direito, severo e resoluto, adiara seus compromissos – “casamento só amanhã” – e o delegado Falcão, terno branco, camisa aberta ao peito, palito no canto da boca, arregimentara todos os seus homens – quatro ou cinco, se tanto – para conter os excessos de alegria com a promessa de xadrez. Bebia-se como nunca em Coroado.

HOMEM - Pessoal, o trem chegou!

A um sinal do prefeito, a banda atacou, enchendo de som a pracinha. A multidão delirava.

Ritinha, Jerônimo e Sinhana aguardavam, ansiosos, no meio da multidão, olhos fixos no trem.

De repente o ranger de freios.

JERÔNIMO - Duda tá chegando, Ritinha.

O trem sustinha o ritmo. Começava a parar. Num dos degraus um jovem acenou á multidão

RITINHA - (sem se conter) Olha lá ele! É o Duda!

O povo acompanhava o coro enquanto a bandinha acelerava o ritmo do dobrado militar.

HOMEM 2 - Duda chegou! Viva o Duda!

CORTA PARA:

CENA 5 - RANCHO CORAGEM - CASA - INT. - DIA.

O velho Bastião suportava a solidão de espera. Nem mesmo a volta triunfal de seu menino pudera levantar-lhe as forças. Leve tropel, distante, dizia-lhe que alguém se aproximava do rancho humilde. O garimpeiro ajeitou os fiapos de cabelos, esticou os vincos corroídos da calça surrada e procurou conter as emoções que talvez não pudesse suportar. Não teve tempo para muito... Lourenço, Juca Cipó e dois capangas aparecerem no momento em que seus braços fracos – abriam-se para acolher o filho que regressava.

LOURENÇO - Vamos dar um susto no velho, Juca. Ele já foi moço. Assustou muita gente.

JUCA CIPÓ - Deixa comigo.

Bastião recuou, apavorado
.
JUCA CIPÓ - É mais um conselho, velho. Um aviso pro seu filho não ser besta de vender diamante pros gringos.

Juca suspendeu o revólver e o baixou violentamente sobre a cabeça encanecida do garimpeiro.

CORTA PARA:

CENA 6 - ESTRADA DE CHÃO - EXT. - NOITE.

João Coragem, em seu cavalo, retornava ao Rancho, em trote macio. A estrada serpenteava, banhada pela luz da lua. De repente o grito. O vulto que cambaleava. Da margem da estrada a moça divisou o cavaleiro. No alto, a lua lembrava um diamante colossal. Maria de Lara caiu ao chão. Os olhos de João Coragem não queriam acreditar.

JOÃO - (reconhecendo a jovem) Santo Deus! O rubim do coronel!

Rápido o rapaz saltou da montaria e suspendeu nos braços o corpo inanimado da moça.

CORTA PARA:

CENA 7 - RIACHO AO PÉ DA SERRA - EXT. - NOITE.

Próximo a um riacho que corria da serra, João Coragem percebeu alguém ás margens das águas. Reconheceu Cema, mulher de Braz Canoeiro. A jovem mulher recolhia ervas á beira do riacho numa expressão de sofrimento.

JOÃO - (gritou) Cema! Quer me ajudar aqui?

Cema ergueu os olhos. Reconheceu João Coragem, com a moça desmaiada, os cabelos dourados caindo-lhe sobre os ombros.

JOÃO - Que é que a gente faz quando uma mulher tem esse negócio que parece que tá morta, mas não tá?

CEMA - Jogá água na cara dela, seu João. (levantou-se, na mão um punhado de ervas) E eu lhe pergunto.O que é que a gente faz quando tem na garganta uma revolta, como eu?

JOÃO - Revolta, Cema, de que?

CEMA - Então...não soube o que fizeram com o meu Braz?

JOÃO - Braz! Aquele santo home? O que fizeram com ele?

CEMA - Tá morrendo, seu João! Ta morrendo!

Com um soluço a mulher do garimpeiro correu em direção á casa, distante alguns metros do local.
João voltou os olhos para a moça, deitada na margem do riacho. Os raios prateados da lua aumentavam-lhe a brancura da face. Com as mãos em concha, salpicou pingos de água fresca do riacho sobre o rosto impassível. A jovem reagiu, balançou a cabeça com gestos nervosos. João segurou-a pelos ombros. Os olhos grandes fitaram com espanto a fisionomia do rapaz.

MARIA DE LARA - Quem é você?

JOÃO - Sou João, moça. Tá em companhia de gente de bem.

MARIA DE LARA - (olhando longamente a região, parecendo desligada de tudo) O que estou fazendo aqui?

JOÃO - Eu é que pergunto. Encontrei você meio zonza, andando pela estrada. Parecia carecer de ajuda. Apeei do meu cavalo e lhe ajudei. Foi a sorte. A moça virou os olhos e caiu nos meus braços.

MARIA DE LARA - Eu caí?

JOÃO - (pareceu esquecer a pergunta) Não sei se tou enganado, mas parece que já lhe vi em outro lugar.

MARIA DE LARA - (tentando levantar-se, nervosa) Acho que está enganado. Eu não sou daqui.

JOÃO - Tá bem, eu acredito, mas você tá precisando de ajuda. Eu lhe levo até na casa do Braz Canoeiro, que é aqui perto. Depois dum cafezinho, vai se sentir mais forte.

Os dois seguiram para o casebre próximo.




FIM DO CAPÍTULO 4


NÃO PERCA, NESTA QUARTA, O 5. CAPÍTULO DE IRMÃOS CORAGEM

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