sexta-feira, 29 de julho de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO ESPECIAL - 72 E 73



classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 72

CENA 1 - COROADO - DELEGACIA - INT. - DIA.

João, com as mãos algemadas, sentou-se no meio de dois guardas. Diante dele, os homens e o delegado, que falava com alguém ao telefone, num ponto qualquer da cidade. A conversa estava no meio quando João entrou.

DELEGADO FALCÃO - ...é a arma que sua filha perdeu. Está aqui, intacta. Não foi deflagrado nenhum tiro. (automàticamente, retirou as balas do tambor) Estou avisando que é pro senhor ficar tranqüilo. A história que Diana Lemos contou é verdadeira.. (desligou satisfeito. O palito dançava-lhe nervoso entre os dentes afilados) Diana Lemos! Espírito mau! Qual! Se fosse minha filha, ou minha mulher, eu ensinava a ela...

JOÃO - De que tá falano? (perguntou, tentando erguer-se. Os guardas seguraram-no com energia).

DELEGADO FALCÃO - Das loucuras que a filha de Pedro Barros pratica, em nome de outra mulher.

JOÃO - (com voz alterada) A filha de Pedro Barros é minha mulher!

DELEGADO FALCÃO - Está bem... (apontou para o cara de malvado) Este homem se divertiu com ela uma noite inteira... onde mesmo?

HORÁCIO - Num bar... perto do clube aí do Souza. Depois ela quis me fazer de trouxa. Dei uma rasteira nela, ela tirou a arma da bolsa, tentou me acertar. Eu me defendi, joguei a arma fora e ela fugiu num carro.

João era um feixo de nervos tensos.

JOÃO - O senhô tem que sabê. Ela é uma moça doente. Faz as coisa sem ta sabeno o que faz. Me entende? Ela... num é ela, certas vez...

DELEGADO FALCÃO - Isso é conto da carochinha, João. Me admira que você acredite numa coisa destas.

JOÃO - (revoltado) O que o doutô sabichão pensa que é, então?

DELEGADO FALCÃO - Pra mim, alguém ta querendo enganar alguém. Ou o médico, ou Dona Lara. Me desculpe, João! Mas isto é pura tapeação. Dizem que o médico dela é bonitão. Ora... ele deve estar querendo tirar proveito...

A cólera assumira proporções incontroláveis no cérebro do garimpeiro. Percebia, nìtidamente, as provocações premeditadas do policial, procurando torná-lo vulnerável e levá-lo de vez ás grades, por muitos anos. Tentou avançar, mesmo com as mãos algemadas. Os guardas, auxiliados pelo Cabo Elias, impediram os movimentos do rapaz, jogando-o ao solo com brutalidade.

DELEGADO FALCÃO - (ordenou) Levem ele pra cela.

JOÃO - (ainda tenso, ameaçou, com ódio) Eu vou sair daqui, Falcão. Vou sair mais cedo do que tu pensa. Mas vou te avisá: sai do meu caminho, se quer ter o direito de viver...

CORTA PARA:

CENA 2 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - QUARTO DE LARA - INT. - DIA.

Lara acordara triste. Os acontecimentos transformavam-se num interminável novelo de angústias e aborrecimentos. Domingas, depois de atender os afazeres da casa, subiu para despertar a jovem filha do coronel.

DOMINGAS - Se alegra, moça. Tenho novidade.

MARIA DE LARA - (sem animação) Que é, Mingas?

Domingas ajudava a moça a vestir a blusa fina, de padrão discreto.

DOMINGAS - Seu pai deixou a gente ir no casamento da índia com o seu promotor Rodrigo César.

MARIA DE LARA - (com alegria) Verdade?

DOMINGAS - Me chamou agora mesmo e disse: “Se apronte. Sei que minha filha quer ir no casamento da índia. Você pode levá ela”. (e concluiu) Na hora do casamento... enquanto o padre reza, ocê dá uma escapulida até na cadeia. Eu juro que finjo que não vejo.

MARIA DE LARA - (abraçou meigamente a boa mulher) Você é ótima.

DOMINGAS - O casamento é de tardinha. Se arrume. A gente vai bem bunita na cidade. Ocê vai se distraí, vai vê João... que ninguém nos ouça... e vai se alegrá um pouco.

Espalhando os vestidos sobre a cama, Maria de Lara escolhia aquele que mais combinasse com os seus cabelos claros e suas feições tristonhas.

CORTA PARA:

CENA 3 - COROADO - IGREJA - INT. - TARDE.

A igreja de Padre Bento recebia Coroado em peso. Amigos de Rodrigo. Garimpeiros das duas facções políticas. Gente de alguns dos ranchos da imediações. O casamento da índia com o promotor era a grande novidade do dia. Há vários minutos Rodrigo permanecia diante do altar, em posição quase militar, mãos cruzadas, diante do corpo, pés retos e expressão intraduzível no olhar. Sinhana aguardava do lado contrário. Onde a noiva deveria estar na ocasião em que o sacerdote desse início ao ato religioso. Em dado momento o vigário fez sinal para o alto e a igrejinha se encheu de sons. Alguém executava a marcha nupcial, ao órgão. Potira surgiu á entrada do templo, morena, uma estátua parda, destacando-se da brancura imaculada do vestido de cauda longa. Andava cadenciado, amparada pelo braço ainda firme do velho juiz. Rodrigo estremeceu e abrandou a rigidez da atitude. A mestiça chegara ao seu lado e, ambos, num só gesto, ajoelharam-se diante do altar de Cristo. Padre Bento dava início á cerimônia. Os círios acesos, as flores decorando o ambiente sacro e o órgão espalhando sons celestiais davam as tintas derradeiras no drama vivido pela mestiça.

CORTA PARA:

CENA 4 - COROADO - IGREJA - INT. - TARDE.

Um vulto aproximou-se da porta do templo, vestido com a simplicidade que lhe era habitual – calça surrada, camisa larga de punhos rendados e um lenço em nó, no pescoço. Mais revoltos que nunca, os longos cabelos esvoaçavam-se por sobre o ombro, encobrindo-lhe parte do rosto. Jerônimo olhou demoradamente o interior da igreja. As pernas tremiam-lhe e as unhas se lhe cravavam dolorosamente nas palmas das mãos.
Mal percebeu a mulher que lhe fechou o campo de visão. Era Lara. Saíram ambos para o exterior do templo. Jerônimo perturbado. Lara apreensiva.

CORTA PARA:

CENA 5 - COROADO - DELEGACIA - INT. - TARDE.

MARIA DE LARA - Boa tarde, delegado!

DELEGADO FALCÃO - Dona Lara! Que surpresa!

MARIA DE LARA - Posso ver João?

O policial levantou-se com idéias a fervilharem nos miolos.

DELEGADO FALCÃO - Pode, pode! Tem direito! Mas eu estava mesmo querendo conversar com a senhora sobre certas coisas que lhe interessam.

MARIA DE LARA - Estou ás suas ordens.

DELEGADO FALCÃO - Não entendo bem essa coisa de Diana Lemos. No duro eu acho a senhora uma grande atriz.

MARIA DE LARA - Atriz!

DELEGADO FALCÃO - No início eu me enganei. Ah, jurava que eram duas moças diferentes. Me tapeou, direitinho, Dona Lara!

MARIA DE LARA - Eu... não tapeio ningúem, delegado!

DELEGADO FALCÃO - Tem gente aí que acredita em coisa de espírito.

MARIA DE LARA - Por que se julga no direito de me falar sobre isso?

DELEGADO FALCÃO - Porque da última vez que a senhora esteve aqui, mandou brasa nesta cadeia. Veio com ordem do juiz para ver o João e me deixou numa situação ruim. Fez até escândalo.

MARIA DE LARA - (calmamente) Não fui eu. E não gosto de falar sobre isso. Não sou responsável... pelos atos de Diana Lemos.

DELEGADO FALCÃO - (sorriu irônicamente) Gozado! Fala dela como se fosse outra pessoa!

MARIA DE LARA - Ela é outra pessoa! Por Deus, deixe-me ver o João.

DELEGADO FALCÃO - No duro, no duro, eu prefiro a Diana (disse, movendo o palito entre os dentes alvos) Gostaria de ver essa transformação de perto. (deu dois passos até a porta e gritou) Elias! Deixe aí a mulher do João Coragem ver ele. (fez um gesto teatral com a mão direita) Pode entrar, Dona Lara. (e com cinismo) Tenho um bom remédio para essa espécie de coisa. Se o caso fosse comigo... digo, se a senhora fosse minha mulher, eu curava sua doença em dois tempos. Mas ia escolher. Entre as duas eu preferia ficar com a outra...

Lara baixou o rosto e entrou no recinto escuro.

CORTA PARA:

CENA 6 - DELEGACIA - CELA DE JOÃO - INT. - TARDE.

João, de cabeça baixa, apenas ergueu os olhos.

MARIA DE LARA - Não... se alegra por me ver, João?

JOÃO - A quem devo dá meus cumprimentos pela visita: a Lara ou Diana?

MARIA DE LARA - João, você não acredita mais em mim?

JOÃO - Não sei se acredito ou não. Só sei que tou cheio de passá por tanta coisa, sem poder fazê nada pra me defendê. Chega um sujeito aí, um tipo qualquer, e me diz: - Eu me diverti com tua mulher. Ela brigô, eu tirei a arma dela. E eu, o que posso fazê? Mesmo vendo os outro ri, aqui, na minha cara. E tenho que aguentá o cinismo revoltante desse delegado sem-vergonha, envenenando a coisa. Falando até do teu médico, aquele que te trata. Olha aqui... eu não quero mais passá por trôxa, tá me ouvino? Não quero mais tratamento com médico nenhum!

MARIA DE LARA - (procurou segurar-lhe as mãos. Falou súplice, com a voz nos limites do chôro) João, eu necessito de tratamento... para curar... para poder me dedicar a você. (abraçou-o num repente) Eu te quero tanto, João... eu te amo, tanto. Você tem que confiar em mim. Eu só tenho você, pra me defender.

João amolecia. Abrandava as defesas.

JOÃO - Confiá... confiá como? Se eu tou aqui preso, amarrado, impedido de agir... e você só faz besteira por aí?

MARIA DE LARA - Não sou eu, João, entenda isso. E é dessa mulher, desse mal que me domina, que eu quero me libertar.

JOÃO - Eu já nem sei, Lara... nem sei se acredito nessa coisa. Pra mim... pra mim é até invenção tua e do teu médico.

MARIA DE LARA - João, não fique assim...

JOÃO - Olha aqui. Pra servi de caçoada aí, pros outro, eu não sirvo, não. Ou ocê se domina... e se livra desse mal, ou eu acabo com ocê, comigo... com nós dois! Nesta gaiola é que eu não fico. Minha paciência tá se esgotano. E quando eu saí daqui, eu acerto as coisa com muita gente. Com ocê, principalmente...

Virou as costas para a mulher, segurando as grades com as duas mãos.

MARIA DE LARA - (contendo as lágrimas) Eu não esperava ouvir estas palavras de você.

JOÃO - Não sou santo! Não aguento mais as coisa. Tou de um jeito que uma hora minha revolta arrebenta estas parede. Eu já nem sei mais o que faço.

João mostrava-se desesperado e enterrava as mãos por entre os cabelos negros, num gesto de dor moral.

MARIA DE LARA - João... eu tenho que ir embora. Você não me diz nenhuma palavra que seja, de ânimo?

JOÃO - Eu é que preciso de palavras de ânimo. E ocê não me dá ânimo, nem esperança. Ocê tá me torturano mais ainda, me pisano... com as loucuras da... Diana Lemos.

MARIA DE LARA - Você já não acredita em mim. Já não acredita em mim... Você está mudado, João. Mas eu sei. Você não pode ser acusado por isso. (deu um passo em direção á porta de ferro) Adeus, João!

Lara saiu e o cabo cerrou a porta, girando a chave na fechadura enorme.

CORTA PARA:

CENA 7 - COROADO - IGREJA - EXT. - TARDE.

Os noivos deixavam a igreja sob uma chuva de arroz e pétalas de flores. Potira sorria, forçadamente.

CENA 8 - RUAS DE COROADO - AUTOMÓVEL DE RODRIGO - INT. - NOITE.

O carro partiu em marcha reduzida. Rodrigo procurava reter as mãos da esposa. Potira abandonou-se contrafeita. A tarde morria e as sombras da noite cobriam Coroado. Com um movimento rápido o promotor pisou no freio, calcou a embreagem e jogou o carro em ponto-morto.

CENA 9 - COROADO - CASA DE RODRIGO - EXT. - NOITE.

Rodrigo saltou do carro e abriu a porta para a mulher.

RODRIGO - Aqui está sua casa, seu lar, minha senhora.

Beijou demoradamente os lábios da mulher e, erguendo-a nos braços, entrou em casa com a cabeça repleta de sonhos e de desejos. Potira estreitou-se entre os braços possantes do marido.

POTIRA - (com os lábios tocando-lhe de leve o ouvido esquerdo) Rodrigo, quero dizer uma coisa a ocê. Que ocê é o home mais melhor... melhor... do mundo. E que eu prometo... eu juro... por tudo quanto é mais sagrado... que vou te fazê feliz!

FIM DO CAPÍTULO 72


CAPÍTULO 73


CENA 1 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - QUARTO DE LARA - INT. - DIA.

Era como se o próprio mundo estivesse ás escuras e a vida passasse a ser uma eterna madrugada de pavor. A reação inesperada e violenta de João Coragem – mesmo num ato de desespêro e revolta – deixou Maria de Lara perturbada. O regresso á fazenda e a visão das choupanas humildes, onde a felicidade se mostrava por inteiro no sorriso das crianças e dos pobres garimpeiros, levaram-na à crise de angústia. E daí para pensamentos menos cristãos. A morte centralizando tudo. Solução derradeira. Irremediável. De repente Diana tomara posse de sua alma. Era sempre assim. Nos momentos de vácuo, a outra surgia, preenchendo os espaços vazios, retocando o quadro amorfo e descolorido de sua vida. Agora, diante do espelho e de costas para o médico, Diana cantarolava, ajeitando os cabelos.


DIANA - Legal! Legal! (vIrou-se para o médico, bamboleante. – O que deseja saber aqui, com a mamãe?

Rafael premiu o botão do gravador e a fita deslizou, lentamente, de um para outro carretel.

DR. RAFAEL - Diana, você socorreu Lara, ontem á noite?

Ela deu um passo em frente e segurou o microfone.

DIANA - Eu não! Ao contrário. Eu quis me manifestar e ela me impediu.

Num gesto tranquilo o especialista tirou um papel do bolso traseiro da calça e o entregou á moça.

DR. RAFAEL - Você sabe quem escreveu este bilhete?

DIANA - Não sei nada (respondeu, olhando o papel) Também fiquei meio assustada com o desespêro de Lara. A idiota conseguiu me contagiar. Me senti muito mal. Acho que fundiu minha cuca ...porque não me lembro de nada que ela fez, nem do que eu fiz...

DR. RAFAEL - Você quer dizer que perdeu os sentidos?

DIANA - É. E foi por muito tempo.

DR. RAFAEL - Então... não foi você, nem Lara, quem escreveu este bilhete?

DIANA - E não tenho a menor idéia de quem tenha sido!

Lentamente, em rotação muito baixa, a fita registrava o diálogo, enquanto Rafael, de ôlho colado na objetiva 16mm, filmava a intensa movimentação da mulher. Um dos pontos básicos do plano terapêutico do médico residia no mútuo conhecimento das personalidades. Se Diana conhecia a fundo hábitos, fraquezas e temperamento de Maria de Lara, esta deveria conhecer a outra. Os mistérios do inconsciente – quem sabe? – deixariam de o ser, com a objetividade do consciente. Era imprescindível que Lara conhecesse Diana. Rafael baixou a máquina, encostou-a numa pilha de livros e fitou a jovem. Depois de tudo, Diana teria de voltar ao seu mundo desconhecido.

CORTA PARA:

CENA 2 - RIO DE JANEIRO - CASA DE DUDA - SALA DE JANTAR - INT. - DIA.

O pano de xadrez cobria a pequena mesa quadrada, na qual Duda tomava o desjejum. Do outro lado, encoberta pelo jornal aberto diante do rosto, Ritinha lia. Duda fixava a manchete do dia.


RITINHA - (mastigando um biscoito, leu em voz alta) ”Após a reunião de ontem, a diretoria do Flamengo resolveu colocar o passe de Duda á venda. Procurado pela nossa reportagem, um alto dirigente declarou que o espírito de indisciplina do jogador foi o motivo básico que levou o Flamengo a negociar o passe do craque. Desde que foi revelado pelo clube da Gávea, Duda tem dado origem a diversos casos, tendo sido, inclusive, acusado como responsável pela saída do técnico Fausto Paiva. A venda do passe poderá causar novos problemas no seio da torcida, para a qual Duda continua a ser um ídolo”. (parou de ler e sorriu, sem graça, olhando o rosto entristecido do esposo. Continuou a leitura) “Segundo fontes ligadas ao futebol paulista, o Coríntians estaria interessado na compra do craque rubro-negro. Um emissário poderá chegar ao Rio, nas próximas horas...”

Damião acabara de chegar e ouvira as derradeiras palavras da mulher.

DUDA - Isto é certo, mesmo?

DAMIÃO - No duro. Venho do clube. Deixei os homens do Coríntians lá. Acho bom você dar um pulo até a Gávea. Saber como estão as coisas. Sabe como é... o interesse é seu.

DUDA - (levantando-se) Eu vou. Eu vou. Ritinha, veja o meu paletó.

Saiu acompanhado de Damião.
CORTA PARA:

CENA 3 - RIO DE JANEIRO - SEDE DO FLAMENGO - EXT. - DIA.

O carrão-esporte freou com estardalhaço diante da alta arquibancada do estádio. Duda saltou e atirou as chaves para as mãos do porteiro. Era um velho hábito. Ele se encarregaria de encontrar vaga dentro das instalações do clube. Entrou ligeiro, com Damião em seu encalço. Entrou na sala da direção.

CENA 4 - SEDE DO FLAMENGO - DIRETORIA - INT. - DIA.

DUDA - Licença, seu Moreira...

O homem virou a cabeça e encarou o jogador.

MOREIRA - Estava mesmo te esperando. Sente-se.

DUDA - Eu sei que os diretores do Coríntians estiveram hoje conversando sobre mim...

MOREIRA - Exato. Conversamos muito sobre você. O Flamengo chegou a um entendimento com o Coríntians e seu passe será vendido por 800 mil cruzeiros... (esperou a reação de Duda. O rapaz permaneceu calado) Bem... você receberá 15 por cento, como é de praxe. Os demais detalhes você mesmo acertará com o Coríntians. Eles estão dispostos a facilitar ao máximo sua ida para lá. (Duda sentiu que o pior estava por vir. O dirigente, meio embaraçado, concluiu) O negócio está fechado!

DUDA - Quer dizer... que eu não tenho direito a dar palpite? Vocês me vendem, assim, como se vende um bezerro, um animal?

MOREIRA - (com frieza) Isto é o futebol, meu caro! O clube não se interessa mais por você, pôs o seu passe á venda e tem o direito de negociá-lo.

DUDA - E se eu não quisesse ir para o Coríntians? Vamos dizer, por motivos de família.

MOREIRA - (com arrogãncia) Olha, rapaz, você está cehio de caraminholas na cabeça. Vá para casa e pense bem. Essa vai ser, talvez, sua última chance no futebol.

Moreira encaminhou-se para a porta e desapareceu, sem dar tempo ao jogador de replicar. Duda engoliu em sêco e deixou o estádio, desarvorado. Depois de anos de glória e de gols que fizeram vitórias memoráveis, era aquele o agradecimento dos homens que dirigiam o clube.

CORTA PARA:


CENA 4 - COROADO - DELEGACIA - CELA DE JOÃO - INT. - NOITE.

O som alegre da bandinha de Coroado penetrava pela janela estreita, de grades grossas, que se abria para as bandas da pracinha. João Coragem sentiu as passadas firmes e cutucou o companheiro de prisão. Com um imperceptível movimento de olhos, chamou sua atenção para o Cabo Elias. O policial parou diante da cela, moveu a chave na fechadura e abriu a porta de barras enferrujadas. Em meio ao ranger do ferro, o Cabo Elias ingressou na meia obscuridade ambiente. João deu um passo em frente, com as mãos paralelas, em atitude submissa, facilitando ao policial a manobra de fechamento das algemas. No mesmo instante a mão de Lázaro baixou, segura e forte, e a coronha do revólver caiu como uma pedra na parte lateral do crânio. Cabo Elias desabou como um boneco de pano. Ràpidamente os dois prisioneiros empurraram o corpo para debaixo da cama, colocaram as algemas sem fechá-las, em torno du pulso e sentaram-se, tranquilos, a pitar cigarros de palha. A primeira etapa fôra vencida sem dificuldade. Era o caminho para a libertação.

CORTA PARA:

CENA 5 - COROADO - PRAÇA - EXT. - NOITE.

Falcão fez um sinal e a bandinha cessou de tocar. Com gestos teatrais retirou do bolso interno do paletó um maço de papéis.


PEDRO BARROS - Obrigado, pode começar a cerimônia.

DELEGADO FALCÃO - (começou a ler) Povo da minha terra... gente boa de Coroado! Estamos aqui, numa homenagem muito justa ao patrono desta cidade... ao nosso muito querido e respeitado Coronel Pedro Barros. O verdadeiro pai de Coroado.

Esperou os aplausos. A pequena multidão permaneceu inerte, negando as palmas pretendidas pelo coronel. O velho, desarmado, pigarreou e cofiou a barba grisalha.

DELEGADO FALCÃO - (prosseguiu) Gente, isto aqui, há 30 anos atrás, não era nada. Não existia. Apenas o rio do garimpo! A cidade não era cidade. Era uma aldeia, com cabanas miseráveis, onde viviam os garimpeiros de então. (apontou dramàticamente para Pedro Barros) Este homem, aqui, um dia teve um sonho. Tranformar aquela meia dúzia de cabanas numa cidade. E começou a fazer do seu sonho realidade!

Barros enxugou uma lágrima fugidia e resmungou uma resposta qualquer.

DELEGADO FALCÃO - Ninguém pode deixar de reconhecer que foi este homem, aqui, quem mandou erguer a primeira casa de alvenaria! E foi ele, também, quem mandou erguer a igreja! Depois disso, o povo de fora começou a ser atraído para cá. A cidade não tinha nem nome. Foi Pedro Barros quem deu nome á ex-aldeia. Havia de se chamar Coroado! O nome de um diamante! Digno da grandeza de uma cidade que nascia para o progresso. Pedro Barros, ainda jovem...

A voz de Falcão perdia-se na amplidão da praça.

CORTA PARA:

CENA 6 - COROADO - DELEGACIA - CELA DE JOÃO - INT. - NOITE.

João e Lázaro continuaram sentados quando o guarda se aproximou de arma em punho.

GUARDA - Vim buscá ocês pra levá pra praça. Venham comigo.

Os dois homens não arredaram pé. O guarda entrou na cela.

JOÃO - (explicou, contrafeito) É que o Lázaro... não tá se sentindo bem.

Os olhos do policial enquadraram os punhos algemados dos rapazes. Não havia perigo, pensou.

GUARDA - (entrou na cela) O que é?

JOÃO - (segurando a cabeça do parceiro) Não sei...

O guarda mal teve tempo de abaixar-se para olhar o prisioneiro. A pancada lançou-o ao solo, sem defesa. Lázaro ameaçou novo golpe, com o bico da botina. João deteve-o.

JOÃO - Não precisa! A gente só amarra...

LÁZARO - Não adianta (disse, aplicando outra coronhada na cabeça dos dois policiais abatidos) Eles devem ficar dormindo até dá tempo da gente tá longe.

O bater de cascos na estrada de barro batido despertou a atenção dos fugitivos.

JOÃO - É Braz com os rapazes!

Ao longe a banda tornou a atacar um dobado contagiante, confundindo-se com as palmas da multidão.

CENA 7 - COROADO - PRAÇA - EXT. - DIA.

João montou rápido, seguido pelo comparsa. Braz estava mais atrás, acompanhado de seus homens de confiança. Em questão de segundos a multidão dispersou-se, abrindo um longo canal entre os jardins e o palanque, onde Pedro Barros, Falcão e outras figuras da cidade observavam atônitos. Lázaro atirava para o alto, enchendo de disparos os céus de Coroado. Com um movimento ágil e atrevido, João aproximou-se da estátua do coronel, fez pontaria e acertou no ôlho de granito, espatifando grande parte da escultura. Aos berros, o grupo, sempre atirando para o ar, desapareceu para os lados das montanhas, ante o espanto e a incredulidade da turba apavorada. Barros tremia de ódio, encarando Falcão. A imagem do ôlho furado enfurecia duplamente o coronel. Alguns, menos nervosos, riam discretamente, estimulados pela figura ridícula da estátua.

FIM DO CAPÍTULO 73

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