sexta-feira, 30 de setembro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 106




classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 106


CENA 1 - COROADO - IGREJA - EXT. - DIA.

Toda a cidade concentrava a atenção na luta entre João Coragem e os homens do delegado. Há horas o foragido se mantinha em atitude defensiva, pronto para o que desse e viesse, no interior da igrejinha. Dali não podia arredar pé, envolvido por uma manobra esquematizada pelo policial. De todos os ângulos convergiam bocas de rifles para o templo, à espera da fuga do garimpeiro. Falcão comandava a operação e orientava o plano de ataque inicial.

LÁZARO - Que plano é esse?

DELEGADO FALCÃO - A gente vai atacar ele de uma vez. Obrigar ele a acabar com toda a munição. Enquanto isso, um sujeito mais arrojado, pode ser você, sobe pelo telhado da igreja... e tenta desarmar o homem. A intenção dele é dar um tiro nos miolos, pra não ser agarrado.

LÁZARO - Deixa comigo. Eu mesmo atiro nele. Quero tê esse gôsto.

DELEGADO FALCÃO - Aí é que está. Eu quero ele vivo. Se você vai com essa intenção, é melhor que não vá. Eu escolho outro homem.

LÁZARO - (olhou para a torre e do templo) Não! Pode deixá! Se o meu delegado quer ele vivo... eu trago ele vivo. Mas me deixe eu mesmo ir buscá ele, lá em cima. É um prazer que quero tê.

DELEGADO FALCÃO - (comandou, enérgico) Vamos lá. Tenho que retirar todo mundo da praça. Surgiu repórter de tudo quanto é lado. A cidade tá um pandemônio.

Os jornalistas apareceram em massa, provenientes das cidades maiores e até mesmo de Belo Horizonte. Reuniam-se, agora, nos degraus da escada de acesso à torre do templo.

Elevando a voz endereçavam perguntas ao homem acuado, enquanto os fotógrafos batiam chapas sucessivas.

REPÓRTER 1 - João Coragem... até quando acha que pode aguentar esta situação?

REPÓRTER 2 - Quais seus planos para o futuro?

REPÓRTER 3 - O que o senhor acha da guerra no Oriente Médio?

REPÓRTER 4 - É verdade que pensa em se transformar num segundo Antonio Conselheiro?

Dezenas de perguntas e propostas subiam à pequena torre, endoidecendo o jovem que apenas desejava uma riqueza: Liberdade! Liberdade!

JOÃO - (perdeu a paciencia e gritou, devolvendo todas as perguntas) Vai todo mundo pro inferno! Me deixa em paz! Eu quero sossego! Pro diabo todo mundo!

CORTA PARA:

CENA 2 - COROADO - IGREJA - EXT. - DIA.

Diogo Falcão afastou os curiosos dos limites da praça.


DELEGADO FALCÃO - Vai haver tiroteio! (gritou, empurrando os recalcitrantes e ameaçando prendê-los. A praça estava limpa. Juntando as mãos em concha, o delegado berrou para o garimpeiro acuado) João! Isto assim não pode continuar. Eu vou te dar 10 minutos pra você entregar os pontos. Caso você não se decida, a gente vai tentar chegar até aí!

A voz do garimpeiro chegou clara e audível ao centro da praça:

JOÃO - Pois venha! Eu acabo com o primeiro que tentá subi!

DELEGADO FALCÃO - (voltou-se para os atacantes) Marcado de relógio, minha gente! Dez minutos!

CORTA PARA:

CENA 3 - COROADO - IGREJA - INT. - DIA.

Movimentando-se com rapidez o rapaz deslocou alguns móveis, colocando-os à porta de acesso à escada da torre. Era visível sua extenuação – barba molhada de suor, olheiras, expressão de total cansaço. Tornou a subir ao posto de observação e renovou a ameaça ao delegado.


JOÃO - Pode vim, Falcão! Tou esperando, patife!

CENA 4 - COROADO - IGREJA - EXT. - DIA.

Lázaro contornou a igreja, entrou num edifício vizinho e pulou do telhado para o templo. Aproximou-se sorrateiramente da torre onde, encastelado, João Coragem opunha resistência aos soldados. Embaixo, os homens forçavam a porta, procurando deslocar a barricada. Lázaro, agora, aguardava apenas a oportunidade de saltar para o interior da torre. Conseguira o mais difícil, alcançar o reduto sem ser visto pelo garimpeiro desesperado.

CENA 5 - COROADO - IGREJA - INT. - DIA.


João Coragem tateou os bolsos. A munição acabara. Apenas no tambor uma única bala! Lázaro pulou para o interior da torre.

LÁZARO - Você tá perdido, João!

Incontinenti o rapaz virou-se e desfechou o tiro. O inimigo agachou-se e a bala passou. Desesperado, João Coragem arremessou a arma contra o adversário.

JOÃO - Me mata, é melhor!

LÁZARO - E o que é que você acha que vim fazê aqui? (retrucou, rindo com sadismo. Apontou a arma na direção do peito do ex-chefe, rindo sempre) Então eu ia perdê essa chance que Deus me deu? De acabá com a tua raça?

JOÃO - Quem é o dono da minha vida é Deus. Se Ele me armô esse golpe... e achô que eu devia morrê pelas mão de um bandido, como você... é porque eu mereço isso. Pra falá a verdade, não tou entendendo bem Deus. Dessa vez eu me desnorteei. Sempre entendi as coisas que Ele tentô me dizê, por meio de ação e de sofrimento. Sempre aceitei as coisa que Ele achava que eu devia de fazê. Até quando colocô tu no meu caminho. Eu entendi e pensei: Deus qué que eu mostre a esse home o caminho do bem. E era o que eu queria fazê contigo. Te regenerá, mostrá pra tu que o bem vence em riba do mal. Queria te ensiná a não feri, não matá, não roubá. Que a gente pode e deve vivê pelo bem. Mas nem isso me deixaro fazê. (Lázaro ouvia estático, sem mover um músculo) Deus me botô nessa situação e eu fui obrigado a reagi e matava até o primeiro que aparecesse na minha frente. Acho que por ter perdido a cabeça é que tou mereceno esse castigo. Morrê pelas mão do home que eu tentei regenerá e não consegui. É pelo meu fracasso também contigo que tou sendo castigado. Tá certo. Eu aceito isso. Tu pode atirá que eu tou preparado. (o revólver tremia na mão do assassino. João abriu a camisa e os braços, em cruz) Atira... que é um favô que tu me faz.

LÁZARO - Nem sei, viu? Nem sei. Tou aqui e tou pensando. Tenho um garimpo à minha espera. Um prêmio pela tua cabeça. Tudo de bom. A vida que eu pedi a Deus. (sua voz atingiu intensidade acima do normal, e gritava, como se tentasse amedrontar o mundo e ganhar coragem) Por que diabo não mato esse desgraçado? Por que diabo num acabo com ele? Por quê? Me diga? (dialogava com o ar, sem se dirigir a ninguém, especificamente) Tou ficando frôxo? Miséria de vida! Será que eu num sô mais home? (num ímpeto incontrolável, jogou o revólver para o adversário) Toma! Faz o que tu qué! Dá satisfação pro teu Deus! Me manda pro inferno, se é isso que Ele tá quereno! Diz pra Ele que ficá bonzinho, regenerado, eu num fico! Pode tirá o cavalinho da chuva! Anda! Acaba comigo! Tu recebe o prêmio de Deus e acaba logo com essa agonia!

Com passadas lentas, João Coragem depositou a arma na amurada da torre.

JOÃO - Abre a porta... e diz pro Falcão que ele venceu. Isso tudo que acaba de se passá aqui... é mensage de Deus. (tinha o olhar e os gestos de um místico, inteiramente absorvido pela religiosidade. Banhado de ternura e amor) Pra alguma coisa deve de tê valido a pena o meu sacrifício. Quando uma alma perdida se salva... é um prêmio que a gente recebe. Eu acho que eu tenho de continuá vivendo mais um pouco. Foi Deus quem quis. Anda. Abre a porta!

Grossas lágrimas corriam pelo rosto do assassino, emocionado. João ofereceu-lhe os pulsos e, com uma corda fina, Lázaro amarrou-os, sem fitar os olhos do prisioneiro. Falcão entrou com os homens.

DELEGADO FALCÃO - Cuidado com ele! Cuidado, gente! Amarrem ele bem amarrado! (bateu com satisfação nas costas do bandido) Bom trabalho, Lázaro. Meus parabéns! Depressa! Avisa todo mundo na praça que a gente agarrou João Coragem!

CORTA PARA:

CENA 6 - COROADO - IGREJA - EXT. - DIA.

A multidão aglomerou-se à entrada da igreja para assistir à saída de João, conduzido como um assassino, entre os guardas do delegado.
Os repórteres acorreram como bando de urubus. Pedro Barros, que acabara de abraçar o delegado, felicitando-o, insinuou-se junto aos jornalistas.

REPÓRTER 1 - O senhor quem é?

PEDRO BARROS - Sou o Coronel Pedro Barros, fundador de Coroado. Responsável por tudo de bom que existe aqui.

Retirando lápis e papel do bolso, o repórter começou a entrevistá-lo, antevendo um filão de reportagem na história do homem que criara a cidade diamantífera.

REPÓRTER 2 - Tem alguma declaração a fazer?

PEDRO BARROS - Tenho, sim. Bota aí no seu jornal. (assumiu ares de político à cata de votos) Hoje, com a prisão de João Coragem, a gente conseguiu uma vitória. Decidimos exterminar com o banditismo por estas bandas. Demos o primeiro passo. O segundo... pode escrever aí, também vai ser derrubar o prefeito desta cidade, que é irmão do bandido João.

FIM DO CAPÍTULO 106


NÃO PERCA O CAPÍTULO 107 DE

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 105




classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 105

CENA 1 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - ESCRITÓRIO - INT. - DIA.

Para o Coronel Pedro Barros a presença de Estela tinha o caráter de mau negócio. Inoportuna, desagradável, sem sentido. Lembrou-se de que no dia seguinte teria de comparecer ao juiz para os arremates no processo de desquite amigável, proposto por ele e aceito, sob coação, pela esposa. O vestido leve, de organdi, e a sandália barata davam a perceber a má situação em que se encontrava a mulher do dono de Coroado. O coronel sorriu de zombaria ao ver a decadencia.


PEDRO BARROS - O que é que você quer?

ESTELA - Vou direto ao assunto. Pensei muito esta noite. Nem consegui dormir de tanto pensar e cheguei a uma conclusão. Depois que vi Juca de noivado com a filha do falecido prefeito Jorginho... veio à minha mente uma idéia luminosa.

Como um cão de caça, Pedro Barros pareceu erguer as orelhas para captar o que Estela teria a dizer.

PEDRO BARROS - Que idéia?

ESTELA - Imagine o que aconteceria... (modulou a voz, alcançando a intensidade do sussurro) se eu revelasse à polícia tudo o que sei sobre o tiro que atingiu o prefeito e matou ele! (Barros estremeceu) Pois é! Eu conheço toda aquela história. Ingênua que eu era... nunca pensei que isto pudesse forçar você a me ceder metade dos seus milhões...

Pedro Barros parecia explodir, com as veias grossas a latejar e a cara avermelhando-se à medida que a mulher relatava as suas decisões.

PEDRO BARROS - Isso é chantagem!

ESTELA - Uso as suas armas, meu querido... Imagine... por incrível coincidencia, há pouco fiquei sabendo que você está querendo derrubar o atual prefeito... e que para isso usou seu próprio filho.

PEDRO BARROS - (gritou, fora de si) Cale a boca!

ESTELA - Está bem. Eu só queria avisar que convém você aceitar as minhas condições, amanhã, na presença do juiz... porque, do contrário... seu filhinho querido... vai parar na cadeia.

As últimas palavras foram ditas com clareza e suficientemente altas para serem ouvidas em toda a casa-grande. Felizmente, para o coronel, não havia ninguém por perto do escritório. Com um valente murro na mesa ele deu por finda a entrevista com a mulher.

CORTA PARA:

CENA 2 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - SALA - INT. - DIA.

E de fato Pedro Barros portou-se como um filântropo diante do juiz, acolhendo todas as exigencias formuladas pela mulher.Estela retornou à fazenda, saltitante, gritando pela nova dona da casa.


ESTELA - Mingas! Mingas! (enxugando a mão no avental, a mãe de Juca Cipó chegou à sala, onde Estela se achava atirada sobre o sofá, cantarolando uma musiquinha de carnaval) Estou felicíssima, radiante, Mingas! Pedro teve que ceder em todos os pontos.

DOMINGAS - Ele cedeu?

ESTELA - Contra a vontade, é claro. Parecia querer me esganar, na frente do juiz! (riu com vontade, ao mesmo tempo em que preparava um drinque forte, gim com vermute, meio a meio).

DOMINGAS - (incrédula) A senhora obrigô ele a cedê?

ESTELA - Ele não merece outra coisa, Mingas. Vou receber uma boa grana. Milhões, minha cara! Milhões! (deu uma volta em torno de si, como um pião humano) Vou montar uma casa de modas em São Paulo, fazer miséria! Ai, que felicidade a gente se desquitar de um marido rico!

A pergunta se mantinha encravada na garganta da mulher. E ela a fez com a naturalidade de quem nada teme.

DOMINGAS - E o que a senhora fez... para conseguir isso?

ESTELA - Bem... isso não interessa! Como está passando seu filhinho Juquinha?

DOMINGAS - Um pouco nervoso, ainda...

ESTELA - (Irônica, murmurou, ao pé do ouvido da velha) Ah... coitadinho. Pois olhe. Dê um beijo nele. Nunca pensei que fosse adorar o Juquinha!

DOMINGAS - Adorar! (julgava que fosse brincadeira o que a outra dizia. Ou um engano de palavras).

ESTELA - É! Eu devo a ele a fortuna que acabo de receber do Pedro!

CORTA PARA:

CENA 3 - BELO HORIZONTE - CASA DE LOURENÇO - QUARTO - INT. - NOITE.

Branca acendeu a luz de poucas velas ao lado da cabeceira da cama e avisou, em voz baixa, ao marido.

BRANCA - Dona Iolanda veio fazer os curativos...

LOURENÇO - Ainda bem... vê se me levanta dessa cama, moça, e juro que num se arrepende...

De costas para cima, o bandido suportou com leves gemidos o trabalho da enfermeira. À medida que limpava os ferimentos, a mulher se admirava da resistência do paciente e não entendia como ele não procurava um hospital ou casa de saúde, dotados de recursos que lhe permitissem recuperação mais rápida e menos perigo de uma recaída perigosa.

ENFERMEIRA - (arriscou uma sugestão, através de uma pergunta) Sabe que tinha de estar em tratamento mais enérgico?

LOURENÇO - Que nada! Tou me dando muito bem com o tratamento caseiro. Daqui a pouco posso até me levantá dessa maldita cama.

ENFERMEIRA - (com absoluta franqueza, anunciou) Eu não garanto nada. O caso é muito sério.

CORTA PARA:

CENA 4 - BELO HORIZONTE - CASA DE LOURENÇO - QUARTO - INT. - NOITE.

Três dias depois, Lourenço já se sentava na cama, denotando melhor aspecto e impressionando a enfermeira com a surpreendente recuperação que demonstrava. O homem era mais forte do que aparentava. De uma resistência animalesca, havia pensado a mulher. Um ruído na sala chamou-lhe a atenção, provocando-lhe um arrepio na nuca.

LOURENÇO - (gritou) Branca, é você?

Com os olhos na porta, Lourenço estremeceu ao ver surgir Gastão, acompanhado da enfermeira Iolanda.

LOURENÇO - (procurou controlar o espanto) Oi, velho! Te julgava longe!

GASTÃO - Dona Iolanda me contou umas coisas que não me agradaram.

ENFERMEIRA - (interferiu para explicar a verdade) Eu só disse a ele que aquela moça foi ao hospital fazer perguntas, Uma repórter...

GASTÃO - O caso tá complicando muito, não acha?

LOURENÇO - Tou melhorando. Quando puder me levantar, tudo muda de figura.

GASTÃO - Se confiasse em mim, tudo se resolvia fácil. Bastava você dizer onde tá o diamante. Pego ele e levo pro estrangeiro. Faço negócio e não vou te tapear...

Argumento frágil para indivíduos acostumados à traição e à deslealdade.

LOURENÇO - (gargalhou) Você é besta! E acha que eu caio nessa?

A um sinal, a enfermeira se aproximou. Gastão deu a volta em torno da cama e se afastou para o canto do quarto semi-apagado.

ENFERMEIRA - (a Gastão) Que vai fazer?

GASTÃO - Só massagens...

ENFERMEIRA - Tome cuidado. Há um ponto delicado.

GASTÃO - Que é que acontece?

LOURENÇO - Você tá querendo me matar?

Gastão segurava-o pelas costas, com os dedos pressionando um determinado ponto à altura da região lombar.

GASTÃO - Só quero que me diga onde tá o diamante.

LOURENÇO - Eu não vou dizer... e se você me mata é pior. Nunca ninguém há de saber onde encontrá ele!

A admoestação não impediu que o outro continuasse a tortura. O marginal duplicava a força da pressão dos dedos. Lourenço torcia o rosto numa careta de dor.

GASTÃO - Aguenta, seu...

LOURENÇO - Pare ai!, com isso! Miserável! Pense bem, se eu morro é pior. E eu não vou dizer... não, ai! Patife! Não faça isso... eu não digo... não adianta... morro... mas não digo. Pode me matar, seu filho...

CORTA PARA:

CENA 5 - BELO HORIZONTE - CASA DE LOURENÇO - COZINHA - INT. - NOITE.

Branca retornava da rua. Mergulhou a chave no buraco da fechadura, rodou-a e abriu a porta. Enquanto colocava as compras na pia da cozinha, gritou para o interior do quarto:


BRANCA - Lourenço! Já cheguei! Recebi um dinheiro dos doces que fiz e aproveitei para comprar alguma coisa de que necessitamos... Comprei uma porção de coisas... Já vou aí.

O silencio não fôra quebrado.

CENA 6 - CASA DE LOURENÇO - QUARTO - INT. - NOITE.

BRANCA - Deve ter caído no sono... (e acendeu a luz, para certificar-se) Mas... o que é isso? (surpresa) Lourenço... será possível... você pôde se levantar? Lourenço! Lourenço! Onde está você?

CENA 7 - CASA DE LOURENÇO - SALA - INT. - NOITE.

Branca começava a desesperar-se ante a ausencia do marido. Correu a casa de ponta a ponta. O marido não se encontrava em lugar nenhum. Desaparecera.

FIM DO CAPÍTULO 105
Lara, Potira e Sinhana

NÃO PERCA O CAPÍTULO 106 DE


terça-feira, 27 de setembro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 104





classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 104


CENA 1 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - NOITE.

Braz alcançou a cabana quase no mesmo instante em que João chegava, esbaforido. Abriram a porta do quarto.


JOÃO - Num tá aqui, mesmo...

BRAZ - É, João... parece que o negócio aconteceu mesmo...

JOÃO - (jogou-se contra o colchão duro) Que é que eu faço, Braz? Pensei que tava livre desse problema!

BRAZ - Tu tem que aceitá, João. É a tua cruz, home. (abraçou o companheiro, comovido) Agora é que tu tem que mostrá tua força, tua bondade. Num abandona ela, João.

JOÃO - Eu num tenho força pra vê ela daquele jeito de novo. Eu disse que no dia que Diana voltasse, eu acabava tudo.

BRAZ - Acabá com tudo, num é ato de home como tu. Home que já guentou coisa pior da vida.

JOÃO - Pior do que isso... só a morte, Braz! (disse, torturado pela vergonha) Vou vê se acho ela.

CORTA PARA:

CENA 2 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - DIA.

Dois dias depois, João voltara ao acampamento e, com a barba amarelada pelo pó da longa caminhada, dormia sob a vigília dos companheiros de empreitada. Acordou sob a emoção da notícia que lhe traziam Braz Canoeiro e Zé Baiano, um novo e leal membro da comunidade dos foragidos. Braz esperou que o amigo despertasse, de todo.


BRAZ - Já é dia, home! Desperta, logo!

JOÃO - Que foi, gente?

BRAZ - Nós tem notícia boa! Acharo tua mulhé, gorica mesmo!

JOÃO - (sentou-se na borda da cama) Quem achou?

BRAZ - Os home, quando ia pro garimpo. Ela tá lá, João... junto do rio... com o carro!

JOÃO - O que foi que houve? Desastre?

BRAZ - É melhor que tu veja. Ninguém qué mexê nela, até tu chegá...

A notícia, da forma como Braz a estava dando, sugeria coisa pior. João Coragem empalideceu a ponto de preocupar os dois amigos.

JOÃO - Num... qué... mexê nela... mas, então... ela tá ferida? Ou... tá... morta?

CORTA PARA:

CENA 2 - MARGEM DO RIO - EXT. - DIA.

De longe a cena descompassou o coração do rapaz. Os rudes garimpeiros, uns de cócoras, outros de pé, rodeavam o corpo da mulher. João atirou-se da sela ao chão, como um trapezista. Abriu caminho entre o grupo de amigos e suspendeu o corpo inanimado.


BRAZ - (gritou, vendo o busto subir e descer, num arfar doloroso) Tá viva!

JOÃO - Tá! Vai vê se acha o doutô!

ZÉ BAIANO - Pelo jeito que atirô o carro pensei que num escapasse!

Em três tempos, João tinha o corpo de Márcia nos braços e, logo após, fez o cavalo trotar em direção à aldeia.

CORTA PARA:

CENA 3 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - DIA.

A moça gemia deitada na cama de lençóis claros. Recobrava os sentidos, pouco a pouco.


MÁRCIA - Meu remédio...

Olhou em tôrno do quarto, à procura do vidrinho de comprimidos. Era como se tudo tivesse sido interrompido no momento em que Nita lhe oferecera o chá com terra. Desde então o tempo parara para a mulher do garimpeiro.

JOÃO - O quê?

MÁRCIA - Eu ia tomar um comprimido...

JOÃO - ( segurando com carinho as mãos que ela lhe oferecia) O que foi que aconteceu, Márcia?

MÁRCIA - Não terminamos o jantar? Vim para o quarto e ia tomar o meu remédio... Nita me trouxe o chá. Mas colocou terra dentro dele. Não me zanguei com isso. Ela é uma selvagem. Eu compreendo essa pobre moça. Ela gosta muito de você, João...

JOÃO - (levantou-se, nervoso, com a testa franzida e os músculos rígidos) A causa de tudo foi ela, então?

MÁRCIA - Causa de quê? Será que eu dormi e não me lembro? Que horas são?

JOÃO - Já se passô duas noite, bem!

MÁRCIA - Como? Duas noites? Não entendo!

JOÃO - Pra ocê o tempo num passô?

MÁRCIA - Não. Será que eu dormi esse tempo todo?

JOÃO - Não tá se lembrando de nada, tá?

MÁRCIA - Não. Por quê? Aconteceu alguma coisa?

João voltou a sentar-se na cama e acariciou a testa da esposa. Compreensivo. Lembrando-se das recomendações de Braz Canoeiro.

JOÃO - Fica deitada. Já mandei chamá o doutô pra vê se tudo tá bem com o nosso filho. Vou vê se tá chegano...

Enquanto o rapaz se ausentava do quarto, Márcia pensava lá consigo, sem compreender o que se passava.

MÁRCIA - Por que... nosso filho? Que foi que houve comigo?

CORTA PARA:

CENA 3 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - SALA - INT. - DIA.

MÉDICO - Que coisa lamentável! Como é que ela está?

O médico viera sem demora, trazido por Braz, depois de uma caminhada cansativa.

JOÃO - Acordou agora. Parece que acordou de um sono. Não se lembra de nada que aconteceu.

MÉDICO - É esquisito. O rapaz aqui (bateu nas costas de Zé Baiano) me contou que ela jogou o carro, de propósito...

JOÃO - Não foi de propósito. Deixa de tá dizeno besteira, Zé Baiano...

ZÉ BAIANO - Mas João... quando eu chamei ela... ela riu e jogô o carro, parece de gôsto, no barranco!

O garimpeiro desviou o rumo da conversa, propositalmente. Certas coisas não interessavam ser reveladas.

CORTA PARA:

CENA 4 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - DIA.

João convidou o médico a entrar no quarto, fracamente ventilado e com insuficiente iluminação.

MÁRCIA - Estou envergonhada de me apresentar ao senhor tão mal arrumada...

MÉDICO - Por favor... não se preocupe com isso. O importante é que desta vez a senhora escapou ilesa. E foi o seu anjo da guarda quem a protegeu.

MÁRCIA - (apreensiva) Escapei... de quê?

MÉDICO - Ah, é verdade. A senhora não se recorda... eu não entendo bem isso, mas...

MÁRCIA - Diga a verdade, doutor. Estou preparada.

MÉDICO - Dona Márcia, diga-me uma coisa. A senhora deseja muito ter esse filho?

MÁRCIA - Ardentemente, doutor, por quê?

MÉDICO - Não se recorda do que aconteceu?

MÁRCIA - Não.

MÉDICO - Isto... de não saber o que faz... aconteceu, sempre?

MÁRCIA - Comigo... foi a primeira vez.

MÉDICO - Como... consigo?

MÁRCIA - (fechou os olhos) Doutor, é uma longa história. E estou tão curiosa para saber o que ocorreu, que não tenho tempo de lhe explicar.

MÉDICO - Pelo que ouvi... do rapaz que a encontrou... tive a impressão de que a senhora não queria que seu filho nascesse.

MÁRCIA - (magoada) É uma acusação que me ofende profundamente.

MÉDICO - Não... não estou acusando. Mas o seu procedimento... atirando o carro daquele jeito no barranco... não me fez pensar em outra coisa.

MÁRCIA - (gritou, exasperada, perdendo o contrôle) Eu não atirei carro nenhum!

MÉDICO - Bem... seu marido lhe dará explicações. Recomendo repouso absoluto durante 24 horas. Se quer proteger seu filho, é lógico. Vou lhe receitar alguns remédios...

Com expressão de poucos amigos o clínico levantou-se para deixar o quarto. Márcia segurou-o pela mão.

MÁRCIA - O senhor... não está acreditando em mim?

MÉDICO - Não... é que... bem, eu acho que uma senhora no seu estado não deve abusar de bebidas alcoólicas.

CORTA PARA:

CENA 5 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - SALA - INT. - DIA.

Os três amigos aguardavam sem falar a saída do médico, ansiosos por conhecerem o resultado da consulta. João correu ao pressentir a retirada.

JOÃO - Doutor...

O médico colocou a mão ossuda no ombro forte do garimpeiro.

MÉDICO - Fique tranquilo. Ela e a criança estão muito bem. É preciso não deixar que ela se levante, nem hoje, nem amanhã.

JOÃO - O senhor falou... do acidente?

MÉDICO - Falei. Ela ignora... pelo menos diz ignorar. (o bloco foi retirado da bolsa de couro negro. E sentando-se, o médico começou a escrever) Mande ver estes remédios em Morrinhos. É para a segurança da criança.

CORTA PARA:

CENA 6 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - DIA.

Estavam sós, os dois. Naquele instante Márcia e João, apenas. O rapaz lutava por controlar o estado de ânimo da mulher.

JOÃO - Olhe para mim...

MÁRCIA - Estou morrendo de medo.

JOÃO - Acho que tou começando a entender (abraçando-a fortemente) Espero que não seja tarde.

MÁRCIA - Ela voltou! Ela voltou e quer matar o meu filho. Foi ela quem tomou conta de mim... você entende, agora, João? (exclamou frenética) Era dela que eu queria fugir! Era ela quem queria me dominar! Mas ela voltou, João! Ela voltou!

CORTA PARA:

CENA 7 - BELO HORIZONTE - CASA EM BAIRRO AFASTADO - QUARTO - I
NT - DIA.

BRANCA - Já cheguei, Lourenço!

A voz da mulher ecoou como a queda de um sino no interior de uma igreja.

LOURENÇO - (imóvel na cama, gritou) Idiota...

Branca entrou, trazendo um grande embrulho, com as compras do dia.

LOURENÇO - Precisa gritar... pelo meu nome?

BRANCA - Nesse fim de mundo quem é que vai saber quem é você?

De fato o casal procurara um lugar isolado do mundo, para fugir às possibilidades de um encontro com gente conhecida. Um bairro afastado do centro da capital.

LOURENÇO - Fim do mundo, uma droga! Estamos em Belo Horizonte!

BRANCA - Num bairro onde Judas perdeu as botas...

Ajeitou com carinho as cobertas do marido, afagando-lhe a testa suada.

LOURENÇO - Tou sentindo uma dor forte como o diabo, na espinha...

BRANCA - Você devia era estar num sanatório, Lourenço, não aqui, sem tratamento...

LOURENÇO - Num sanatório todo mundo vai me procurar. Aquele cretino do jogador deu o serviço pra todo mundo...

BRANCA - Ninguém acreditou nele, amor!

LOURENÇO - Acho que vou ficar entrevado pro resto da minha vida. Mas, uma vingança eu tenho. Se eu morro, ninguém vai saber onde está o diamante. Nem Gastão, nem você, nem o idiota do João Coragem... Muito menos ele!

BRANCA - Eu não estou interessada no diamante. Aquele teu amigo sujo é que está. E se ele não dá cabo de você, é de medo de não descobrir nunca mais onde você guardou a pedra.

LOURENÇO - Nem que me mate, eu não digo. Só digo no dia em que puder me levantar daqui. Pra poder vender ela... e usufruir os bem que ela pode me dá.

FIM DO CAPÍTULO 104
Lourenço e João

NÃO PERCA O CAPÍTULO 105 DE

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 103




classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 103

CENA 1 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - SALA DE JANTAR - INT. - NOITE.

A noite quedava-se na Serra da Lagoa Santa. Nita detestava instintivamente a mulher de João. Fosse Márcia, Lara ou Diana. E era com um misto de desassossego e raiva que ela se via obrigada a servir à mesa. Pelo canto dos olhos observava o sorriso que ressaltava a felicidade da rival. João acariciava a mão da esposa, embevecido. Braz entrou, como sempre, apressado.

BRAZ - Num vim atrapalhá...

JOÃO - Senta aí e come com a gente! Nós tava falano agora mesmo do morto-vivo. Márcia teve lá em Belo Horizonte, na direção que meu irmão Duda deu.

MÁRCIA - Não tive sorte. O casal já havia deixado o hospital.

JOÃO - Eu vou mandá alguém de confiança procurá por Dona Branca. Pra isso a gente tinha que sabê com Alberto a direção da mãe dele, na capital.

BRAZ - (comunicou, aborrecido) Tá difícil se comunicá com Alberto. Gorica mesmo veio o Raimundo, de Coroado. Ele, que num é conhecido, tentô visitá o rapaz na cadeia. Falcão num deixô ele entrá.

JOÃO - Mas a gente tem que sabê notícia dele. Não se pode abandoná um companheiro.

Estendeu a caneca para que Nita a enchesse de vinho tinto.

BRAZ - Também acho.

JOÃO - Tou matutando as idéia... procurando um jeito de tirá ele de lá. Confesso que tou meio pobre de pensamento.

MÁRCIA - Acho que não convém você se arriscar, João.

BRAZ - Nem a gente deixa.

MÁRCIA - (pediu vinho a Nita) Um pouco, por favor. (ergueu a taça. A mulher permaneceu de costas, ignorando a solicitação. Márcia tornou a pedir a bebida) Nita, por favor, você quer me servir vinho?

JOÃO - (interferiu, com energia, ao constatar a má vontade da outra) Nita! Minha mulhé tá falando. Serve ela de vinho!

NITA - (voltou-se, bruscamente, zangada) Dela não sou criada!

Como se impelido por um jato, o rapaz ergueu-se da cadeira, jogando-a ao chão.

JOÃO - Nita!

MÁRCIA - Deixa, João!

NITA - (repetiu, com os dentes trincados) Dela não sou criada! Já disse.

JOÃO - Ela é minha mulher, Nita!

O ódio enrubescia a face da jovem e com modos grosseiros encheu o copo de Márcia. Por um instante algo transtornou o pensamento da criada e, num lampejo de ira, ela atirou a bebida contra o corpo da mulher a quem odiava. Márcia nem teve tempo de esquivar-se. O vinho tingiu de roxo suas vestes. Num átimo, Nita desapareceu pela porta dos fundos.

JOÃO - Você já viu disso, Braz? (e dirigindo-se à esposa) Ela tem feito isso outras vezes, Márcia?

MÁRCIA - Não, João, não... apenas sinto que ela não gosta de mim. E... eu posso adivinhar qual a razão. Ela gosta de você!

JOÃO - A razão... a razão é lá da cabeça dela. Eu num tenho nenhuma culpa se ela cismou comigo. Deus é testemunha de que eu nunca dei a menor bola prela... Não por nada... que até podia ter me aproveitado. Mas, eu num sou disso... tá aí o Braz que pode dizê se eu tou mentindo!

O negro confirmou com um leve movimento de cabeça.

BRAZ - (coçou a cabeça e aduziu) Nisso João num tem culpa. Justiça seja feita. Ela arrastô um bocado as asa pra ele e ele tava sempre com o pensamento nocê.

JOÃO - Mas eu vou lá e dou uma lição nela...

CORTA PARA:

CENA 2 - ALDEIA - CHOUPANA DE JOÃO - QUARTO - INT. - NOITE.

Era tempo de João Coragem encontrar-se com o grupo que chefiava. O relógio marcava 22 horas. O encontro fora programado para as 22,20. O garimpeiro curvou-se sobre a cama, beijou a testa da esposa e, com o paletó no ombro, abriu a porta do quarto e saiu. Nita vinha entrando com o chá fumegante.

MÁRCIA - Obrigada por ter trazido o chá, Nita!

Sem dizer palavra a bela empregada entregou a xícara nas mãos da mulher. Márcia, com um gesto calmo, tirou um comprimido do vidro de remédio, jogou-o à boca e bebeu um gole do chá quente. Meio engasgada cuspiu fora a bebida, com expressão de nojo. Olhou o fundo do recipiente.

MÁRCIA - Terra!... Você pôs terra no chá!

Nita sorria irônica, enquanto Márcia lavava a boca na janela escancarada. Um vento frio adentrava o quarto.

MÁRCIA - O que é que você pretende com isso?

Aumentando o ritmo da gargalhada a estranha mulher encaminhou-se para os seus aposentos. Tudo aconteceu repentinamente. Como a fusão da água para o vapor. Num instante era Márcia: no seguinte, Diana. A personagem agressiva lançou longe o vidrinho de comprimidos. Com movimentos rápidos, ajeitou os cabelos, as vestes e rodopiando no centro do quarto, jogou ao chão os restos do chá com terra.

CORTA PARA:

ALDEIA - CHOUPANA DE NITA - COZINHA - INT. - NOITE.

Nita acendia o fogo na cabana rústica. Ouviu a voz que a chamava.


DIANA - Ei, cara, você aí!!

A princípio não pôde compreender o porquê da presença da mulher de João em sua casa. Fixou os olhos na garrafa e no copo que a outra empunhava. Diana cruzou molemente o chão de terra e depositou a garrafa sobre a mesa simples, enfeitada com um vaso verde. Fora de si, atirou o conteúdo do copo no rosto da rival e com as mãos enegrecidas pelo pó esfregou um punhado de terra nos lábios da mulher. Empurrou-lhe o resto pela boca. Aas duas rolaram, derrubando cadeiras e móveis, numa luta de vida ou morte. Diana arranhava impiedosamente o rosto da outra, arrancando pedaços da pele com o gume afiado das unhas. Nita estrebuchava, com os olhos esbugalhados e uma expressão de desespero. As duas mulheres rolavam pelo chão, derrubando móveis, ferindo o silencio da noite alta.

O beato Venâncio, figura estranha que, misteriosamente, sem saber de onde, aparecera na pequena aldeia dos foragidos, entrou e estacou, levantando as mãos ao céu.

BEATO VENÂNCIO - Deus Nosso Sinhô Jesus Cristo!

Alguns se referiam à fama de milagreiro do místico sertanejo, de alpargatas de couro resistente e longa bata branca quase a tocar-lhe os pés. Do pescoço caía-lhe sobre o peito a cruz rústica de madeira. Dois pedaços cortados a canivete e colados com goma castanha. Venâncio observou a cena, atraído pelo barulho da queda dos móveis.

BEATO VENÂNCIO - É o demônio que tomou conta do corpo das duas.

Deixou o local a passos largos, correndo para o centro do povoado.

BEATO VENÂNCIO - João! João!

Diana levantou-se, libertando a rival de suas mãos impiedosas. Estava agressiva, refletindo no brilho dos olhos a loucura de que fora possuída. Ouvia, ao longe, os gritos do beato.

BEATO VENÂNCIO - (off) João! João!

Um súbito receio sustou de vez os movimentos da mulher. Preferiu fugir, ajudada pela escuridão, da pequenina aldeia de João Coragem.

CORTA PARA:

CENA 3 - OUTEIRO - EXT. - NOITE.


Beato Venâncio conseguiu alcançar o topo do outeiro e vislumbrou a luz baça que clareava o grupo de homens, reunidos em torno do chefe. O beato bradou, como se fora um profeta, no alto da montanha. As vestes esvoaçando, batidas pelo vento.

BEATO VENÂNCIO - João! Vem cá! João!

A voz rouca chamou a atenção dos foras-da-lei. João atirou terra sobre a pequena fogueira. Os homens voltaram-se.

JOÃO - Diacho... que foi que deu no Venâncio?

BRAZ - Parece que houve alguma coisa!

JOÃO - (com um pressentimento desagradável, convocou a turma) Vamos lá, gente!

CORTA PARA:

CENA 4 - ALDEIA - CHOUPANA DE NITA - SALA - INT. - NOITE.

Nita continuava encolhida junto à parede de barro, as mãos tapando o rosto lanhado, de onde escorria um filete de sangue, riscando um traço vermelho na linha do maxilar. João Coragem correu os olhos à procura da esposa. Via apenas Nita, um monte de pano jogado ao canto da sala.


JOÃO - (voltando-se para o místico) Que foi que houve aqui, Venâncio?

BEATO VENÂNCIO - Entrei... (abrindo os braços num gesto de Messias) Vinha fazê minha oração de toda noite, pra afastá os pecado do corpo de Nita. Ela anda cheia de maus pensamentos.

Enquanto o beato falava, Braz Canoeiro atendia a jovem apavorada, com as vestes e o corpo imundos. Nita evitava mostrar-lhe o rosto.

JOÃO - E daí?

BEATO VENÂNCIO - Cheguei aqui e vi ela, mais tua mulhé, querendo se matá, uma a outra...

JOÃO - Minha mulhé? Brigando com Nita?

BEATO VENÂNCIO - Foi. As duas rolando feito fera!

João aproximou-se da mulher, encolhida. Forçou-a a levantar-se.

JOÃO - Isto é verdade, Nita?

A jovem não respondeu de imediato. Com lentidão abriu o leque das mãos e mostrou o rosto ferido.

JOÃO - Me dá aí o lampião, Braz.

O beato aproximou a luz da face pálida da mulher. Os homens examinaram horrorizados os ferimentos que lembravam marcas de garras de pantera.

BRAZ - (se benzendo) Virge Mãe! Parece mesmo que andou lutando com fera!

JOÃO - Tu confirma que foi minha mulhé quem fez isso?

NITA - Foi.

JOÃO - Será possível, meu Deus?

BRAZ - (acercou-se do companheiro. Respirava forte) Tá... tá pensando o que eu tou pensando, João?

JOÃO - (com rispidez) Não! Não acredito! Deve de tê sido outra mulhé! A minha num pode sê!

BRAZ - (sugeriu, disfarçadamente) Márcia, não... mas...

JOÃO - Num fala nisso, Braz! Eu me recuso a aceitá isso!

BEATO VENÂNCIO - (interveio, dramático) Era ela. Eu vi com estes olhos que a terra há de comê. Era ela e parecia outra...

JOÃO - (gritou) Cala a boca, Venâncio! Tu tá dizndo bobage! (virou-se para o negro, numa última busca de esperança) Vai lá, Braz! Vai lá e vê se Márcia tá dormindo!

BEATO VENÂNCIO - Ela saiu, por aí. Passô perto de mim e trazia nos olhos o desespero.

Braz despachou-se, aflito, enquanto João Coragem segurava Nita pelos ombros e a sacudia com violencia.

JOÃO - Se alguma coisa aconteceu, tu foi culpada. E se tu tem culpa, não quero mais te vê na minha frente. Por tudo que fez, tu merece um castigo. (puxou do braço do beato) Venâncio, reza ela. Se ocê num tirá a maldade de dentro dela... num quero mais vê ela aqui.

Erguendo o corpanzil, o rapaz se afastou colérico. Venâncio vergou o corpo e ajoelhou-se diante da moça. Braços abertos com as mãos para o alto.

BEATO VENÂNCIO - “Espírito das treva... deixa de lado o corpo da pecadora... Padre Nosso, que estais no céu...”

FIM DO CAPÍTULO 103

NÃO PERCA O CAPÍTULO 104 DE

sábado, 24 de setembro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 102





classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 102


CENA 1 - ALDEIA - EXT. - ANOITECER.

João olhou mais uma vez a estrada que se perdia no meio das árvores distantes. O sol começava a cair no poente, tingindo o céu de várias tonalidades. A mata principiava a dormir. Pássaros e aves maiores ganhavam o espaço à procura dos ninhos. E um friozinho agradável arrepiava a pele dos foragidos.

JOÃO - (sempre olhando o infinito, perguntou à mulher de Braz Canoeiro) Minha mulher, nada?

CEMA - Não, João... ainda não. Mas tu espera que... ela num demora.

JOÃO - Espero sentado, que em pé eu canso. Ela te tapeou, Cema. Ela num volta nunca mais. Tu vai vê.

CEMA - Seja pessimista, não, Jão!

JOÃO - Ela tava preparano isso tanto tempo, gente! Pois taí. Num volta mais, não!

Braz interveio, à procura de uma palavra de conforto. Sentia a extensão da dor que consumia o amigo. As eternas escapadas de Lara... Diana... Márcia.

BRAZ - João... o que tu quer que a gente faça?

JOÃO - Deixa o Clemente voltá com a resposta do Jeromo. Se Jeromo qué, a gente toma conta do trabalho da água durante a noite. E eu duvido que algum cabra do Pedro Barros se atreva a se aproximá da gente!

CEMA - (lembrou) E o Alberto?

JOÃO - Falcão deve de ta preparano algum plano pra gente ir tirá ele de lá. Agarrô mais o Alberto por isso. Pra servi de isca. Senão ele tinha se preocupado um pouco mais comigo...

BRAZ - A gente num vai fazê nada por Alberto?

JOÃO - A gente faz sim ... num é já. É preciso encontrá o jeito, uma solução... uma coisa que Falcão nem sonha.

CORTA PARA:

COROADO - CASA DO DR. MACIEL - INT. - NOITE.

Potira abriu a porta, atendendo às pancadas que vinham da parte externa. Seus olhos se abriram como nunca e uma alegria diferente a invadiu sem que pudesse conter-se. Rodrigo estava à sua frente. De terno branco, barba feita e o bigode bem aparado, como de hábito.


POTIRA - Rodrigo!

RODRIGO - (seco, sem dar demonstração de alegria) O que é que você está fazendo aqui?

POTIRA - Ritinha... tá fazendo serão na prefeitura. Eu vim ficar com a menina. O doutô tá na cadeia.

RODRIGO - Eu sei que o doutor está na cadeia. Vim aqui justamente para avisar Ritinha que vou tirar o pai dela, agora, de lá.

POTIRA - Que bom! Ela vai ficar satisfeita.

RODRIGO - Se ela chegar, avise...

O promotor ameaçou retirar-se. A mulher chamou-o com humildade.

POTIRA - Rodrigo... (ele voltou instantâneamente) Você nem perguntou se eu fiquei curada... (sem dar resposta, o jovem procurou a porta de saída) Rodrigo... você nem me disse se já me perdoou...

Não havia o que dizer. Rodrigo abandonou a residência do médico sem atender aos propósitos de reconciliação da esposa.

CORTA PARA:

CENA 3 - DELEGACIA - CELA DO DR. MACIEL - INT. - NOITE.


Falcão abriu a porta da cela. O ferro rangeu nas dobradiças enferrujadas e deu liberdade ao velho e viciado médico de Coroado. Rodrigo acompanhava atento os movimentos do delegado. Ao lado um preso negro e repelente , com vestes encardidas e os dentes roídos pelas cáries, cantava.

RODRIGO - Vamos embora?

Com a brutalidade peculiar aos policiais, Falcão empurrou o médico.

DELEGADO FALCÃO - Vai e não fala muito. Senão eu resolvo te deixar aí até quando eu quiser.

RODRIGO - Você sabe que não tem argumentos para isso, Falcão.

DELEGADO FALCÃO - É... ele até que teve sorte... a vítima não deu queixa... até já foi embora.

RODRIGO - É. A vítima era um santo em figura de gente. (mudando de tom) Vamos deixar de conversa fiada. O senhor está livre, Dr. Maciel.

Pela primeira vez o médico se dirigiu de maneira superior ao delegado da cidade.

DR. MACIEL - Você se aproveitou da minha fraqueza. Bateu no meu rosto. No rosto de um homem de bem. Deus o castigará por isso.

Um sorriso irônico abria os lábios grosseiros do policial.

RODRIGO - E Alberto?

DELEGADO FALCÃO - Deixa ele comigo (falou, com os dentes cerrados de raiva) Deixa ele que contra esse as provas são mais concretas. Ele vai ser julgado como João Coragem, se Deus quiser.

Diogo Falcão voltou-se para a imagem de Cristo, pregada no topo de uma pilastra e se benzeu teatralmente. Rodrigo olhou a cena horrorizado. Maciel fechou a carranca.

CORTA PARA:


CENA 4 - COROADO - PRAÇA - EXT. - DIA.

A luta estava declarada entre os homens do coronel e o grupo de abnegados, reunido pelo prefeito. Jerônimo se prometera construir nova canalização para a cidade. Coroado teria água potável dentro de pouco tempo. Os tiroteios se sucediam nas margens do rio, porém os trabalhos prosseguiam lentos, mas produtivos.

Nem sempre as hostilidades resultavam em fracasso para os jagunços do coronel. Muita vez eles destruíam o que os homens laboriosamente haviam construído durante o dia. Pedro Barros planejara uma tirada a mais, na sua longa lista de tramas, em prejuízo do prefeito. Reunira-se no centro da pracinha, rodeado de curiosos e capangas assalariados. Ao lado um monstrengo pouco conhecido na cidadezinha: um carro-pipa. O coronel subiu a uma cadeira e, enquanto seus homens distribuíam água à população, ajudado por um amplificador, falava com gesticulação dramática:

PEDRO BARROS - “Gente boa da minha terra. Meu povo! Tou aqui e tou estendendo a minha mão pra todos vocês. Eu num podia faltar numa hora destas, em que falhou escandalosamente a proteção do sujeito que se diz prefeito desta cidade, desta pobre cidade abandonada! (aguardou os olhares de aprovação dos presentes) A água taí! (abriu os braços mostrando o carro-pipa) Num vai faltá água pra vocês. Tou aqui zelando por todos os residentes da minha cidade. Bem sabem que podem confiar em mim. Todos conhecem meu passado. E a minha luta para dar a todos vocês conforto e felicidade. Eu quis provar, também, é que aqui ninguém faz nada. Ninguém tem competência pra nada! Ai de Coroado se num fosse Pedro Barros!”

Da sede da prefeitura Jerônimo e vários de seus auxiliares observavam a atitude demagógica do velho.

JERÔNIMO - Eu vou lá... eu mato esse sujeito à-toa!

LÍDIA - É isso que ele quer (ponderou, com a mão segurando a do marido) Quer te levar ao desespero. Tem calma, Jerônimo. Vamos embora daqui.

JERÔNIMO - Mas eu preciso... preciso fazer alguma coisa!

No meio da praça o clamor aumentara. Lázaro comandava os trabalhos dos aguadeiros. E o coronel sorria, retirando densas fumaçadas do charuto grosso e de boa qualidade. Algumas pessoas mais entusiasmadas ensaiavam vivas ao “Seu Coronel Pedro Barros, o dono de Coroado!”

CORTA PARA:

CENA 5 - ALDEIA - CHOUPANA - INT. - DIA.

As pequenas pedras acumulavam-se sobre a mesa rústica, enquanto João selecionava os vários tipos. Fruto de muitos meses de trabalho duro.

CEMA - (entrou alegre, quase aos pulos) João, adivinha quem ta aí?

JOÃO - Sei lá, Cema! Sou adivinho?

CEMA - Mas fala! Uma pessoa que tu deseja muito!

JOÃO - Ah, deixa de brincadeira! Brincadeira tem hora, Cema. Num tou aqui pra servi de palhaço pra ninguém, não!

CEMA - (piscando um olho) Arrisca um bom pensamento!

João Coragem parou o serviço e recolheu as pedras a uma bolsinha de couro cru.

JOÃO - Tu tá falano sério, mulher?

CEMA - Ia menti, João? Tu me conhece, num conhece?

Sem aguardar maiores detalhes, o grandalhão arremessou-se na direção do quarto.

CENA 6 - CHOUPANA - QUARTO - INT. - DIA.


JOÃO - Márcia! Márcia!

Márcia retirava as roupas que trouxera de Coroado numa maleta de couro. Voltou-se ao ouvir os berros do marido. Não houve tempo para explicações. Os braços abriram e a mulher aninhou-se entre eles. Os lábios uniram-se mais uma vez, selando um amor que força nenhuma conseguia destruir. Meio sufocada, Márcia separou seus lábios dos do marido.

JOÃO - Ia te buscá, malvada...

MÁRCIA - Pensou que eu não voltasse?

JOÃO - Pensei.

MÁRCIA - Pensou que eu não gostasse mais de você?

JOÃO - Pensei. Pensei o pior de você...

MÁRCIA - Já estou perdoada? (perguntou, passando a unha de leve pela linha dos lábios do marido).

JOÃO - Tá, com a condição de nunca mais falá em separação...

MÁRCIA - Não falo mais, amor (respondeu, mordiscando o queixo do rapaz).

JOÃO - Então jura...

MÁRCIA - Até o dia... em que tiver de ir para sempre.

JOÃO - Esse dia nunca vai chegá.

MÁRCIA - Vai, João... vai chegar, sim... e temos que estar preparados.

JOÃO - Você num larga mais de mim. Você quis fazê uma experiência e voltô. Tá amarrada em mim... pro resto da vida... confessa... eu quero ver você confessá.

Lara ou Márcia ou Diana, lá quem fosse, sorria ante as palavras simples e ingênuas de um homem tão forte e decidido.

CORTA PARA:


CENA 7 - COROADO - CIDADE - EXT. - DIA.

O sol queimava. Os homens pareciam formar um só corpo. Suor, sangue, esforço. Uma semana de trabalhos terrìvelmente duros estava chegando ao fim. Jerônimo e João aguardavam o sinal de Braz, afastado no extremo da margem. De repente o negro levantou o braço e o prefeito acionou a alavanca, de ferro fundido, pintada de vermelho-vivo. Em todas as torneiras da cidade a água começou a jorrar. A princípio escura, barrenta, com forte precipitação terrosa. A seguir a água mudou de cor, amarelou, embranqueceu. Tornou-se límpida, incolor. Coroado voltava a ter água potável, sem necessidade do dinheiro ou da interferência do Coronel Pedro Barros. Jorrava água no hotel do Gentil. Na sede da prefeitura. Nos lares. Nos bares e clubes. O ruído da água era como uma música maravilhosa.

CENA 8 - COROADO - CASA DO DR. MACIEL - COZINHA - INT. - DIA.


Na casa do Dr. Maciel, um grito levou o médico a derrubar uma pipeta no chão.

POTIRA - Indaiááá! Seu douto! (berrava) Tá chegando água. Coroado num tem mais seca. Jeromo venceu! Jeromo venceu!

A água que jorrava dos canos confundia-se com a água que corria dos olhos alegres da população.

FIM DO CAPÍTULO 102

NÃO PERCA O CAPÍTULO 103 DE

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CHAMADA - IRMÃOS CORAGEM


GRANDES EMOÇÕES! MOMENTOS DECISIVOS NAS ÚLTIMAS SEMANAS DE



IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 101




classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 101


CENA 1 - ALDEIA - CHOUPANA - INT. - DIA.

CEMA - Puxa! Que felicidade a senhora tê vindo hoje!

Cema abraçava a velha Sinhana. Depois de várias semanas sem ver o filho, a corpulenta e decidida mulher resolvera cruzar as léguas que a distanciavam de João e visitá-lo na choupana da aldeia dos foragidos.

SINHANA - Pois é... tive que vim, né? Pra vê meu Jão e dá um recado muito importante prêle.

CEMA - Ele já vem. Braz agorinha mesmo foi chamá ele pra tomá café.

SINHANA - Pensei que ele tivesse morando aqui. Me dissero que tu e Braz tomava conta dele.

CEMA - Que nada. A mulhé dele é que tá tomano conta dele...

SINHANA - Lara?

CEMA - Márcia.

SINHANA - Ele trocô de mulhé? Ah... mas Jão tá ficano muito sem-vergonha. Num gosto disso, não! (fez um gesto de raiva, com a mão diante da cara).

Cema ria, ainda, quando Braz entrou, pressuroso.

CEMA - É nada (disse, ante a fisionomia contraída da velha) É Dona Lara mesmo que mudô de nome. Ela é esperta. Faz isso pro marido num enjoá dela. Agora tão vivendo que é uma beleza! Os dois num amô que só vendo! Né, Braz?

BRAZ CANOEIRO - Puxa, se é! Agora, só tão de beijo e abraço, segredinho... benzim pra cá... benzim pra lá...

SINHANA - Graças a Deus! (bradou, com as mãos unidas e olhos fitando o teto) Se o problema era só mudá de nome, então... que tudo quanto é mulhé mal casada mude também de nome, uai! (a lógica de Sinhana provocou risos no casal de amigos do filho) Cadê o João? (perguntou, voltando-se para Braz Canoeiro).

BRAZ CANOEIRO - Já vem. Trouxero notícia de Coroado. A falta d’água... e povo que tá culpando a briga do Jerônimo com o Pedro Barros...

SINHANA - Uai, num tou sabeno disso, não! (admirada) Também, saí tão cedo... de madrugada. Tem légua pra burro de Coroado pra cá. Isto aqui é o fim do mundo!

CORTA PARA:

CENA 2 - ALDEIA - CHOUPANA - INT. - DIA.

Sinhana mostrava a carta ao filho.


SINHANA - Que é que tu acha disso?

JOÃO - Duda confessa que Ernesto Bianchinni era outro homem.

SINHANA - Então, Duda se enganô?

JOÃO - Não... não, Duda num se enganô. Era sonho demais... pensá que Lourenço D’Ávila tava vivo.

Alberto ouvira as últimas palavras entre mãe e filho. Enrubesceu.

ALBERTO - Notícia... da visita ao hospital... onde tá minha mãe?

JOÃO - É. Era outro homem... mas meu irmão não se dá por vencido.

ALBERTO - Eu não digo mais nada (comentou, fingindo uma indiferença que estava longe de sentir).

JOÃO - Não precisa. Não quero acusar ninguém, não digo que alguém aqui tá me tapeando. Mas digo que acredito no meu irmão. (Alberto estremeceu imperceptìvelmente) E vou tomá a frente desse caso. Diz pro Duda ficá sossegado, mãe. Ele que num pense mais nisso. Eu mesmo vou atrás desse home, seguindo todas as pista que ele me deu. Deus há de me ajudá. Eu vou encontrá. Essa tem que sê, de hoje em diante, a minha razão de vivê.

SINHANA - Que Deus te abençoe e ajude, meu filho!

CORTA PARA:

CENA 3 - FAZENDA DE PEDRO BARROS - CASA-GRANDE - SALA - INT. - DIA.

Os jagunços da casa-grande correram de arma em punho, mas a autoridade do prefeito ainda valia alguma coisa num território pràticamente sem lei. Lídia agarrava-se ao braço do marido.


JERÔNIMO - Vim aqui... pra lhe dizer umas verdades...

PEDRO BARROS - Conheço de sobra as tuas verdades!

JERÔNIMO - Olha aqui... se o senhor é louco... ninguém tem que pagar pelas suas loucuras, não!

PEDRO BARROS - Louco, por quê? Porque vou tirar, uma a uma, as regalias que eu dava pro povo de Coroado? E por que eu tenho que ser o bacana, o bonzinho pra essa gente? Pra você fazer bonito, às minhas custas? Não. Agora eles vão ver quem é o verdadeiro dono dessa cidade...

Barros parecia mais insano do que nunca. Ele se julgava, de fato, dono de Coroado, como se todos que ali vivessem fossem obrigados a pagar dízimos ao verdadeiro criador da Terra.

JERÔNIMO - Se o senhor fosse um sujeito humano, eu tinha resposta pra lhe dar. Mas eu não posso convencer uma alma ruim como a sua a viver bem, a viver em paz, a viver como gente!

PEDRO BARROS - (impacientava-se com a ousadia do rapaz) Não me interessa viver em paz com você. Não lucro nenhum tostão com isso. E lhe digo mais, isso que aconteceu com a água... vai continuar.

LÍDIA - Coronel, isso é perseguição da grossa!

JERÔNIMO - Deixa, Lídia. Ele tá pensando que é o deus-todo-poderoso de Coroado. Pois eu vim... justamente pra lhe dizer... que vou enfrentar sua perseguição. E também não paro aqui. Vou continuar. Acima de mim há outras autoridades municipais, estaduais e federais. Lembre-se disso, coronel!

PEDRO BARROS - (riu, com cinismo, e bateu no bolso) É besta quem pensá que pode competir comigo!

JERÔNIMO - Eu vou competir. E desafio o senhor, coronel!

PEDRO BARROS - (deu largas passadas pelo interior da sala, expelindo fumaça como uma locomotiva) Pois muito bem, mocinho. A gente vai entrar numa luta feia. E lhe digo mais: não vou parar por aqui. Vou destriur tudo o que fiz, com meu sacrifício.

JERÔNIMO - (bateu com uma das mãos na outra, como num lance de caratê) O senhor destrói... eu construo, coronel!

PEDRO BARROS - Só vou parar no dia em que você chegar, de novo, aqui, sem esta arrogância. Humilde e de cabeça baixa... e me disser: “Olha, coronel, eu entrego os pontos! Eu vou dar um tiro nos miolos”! Aí, depois do teu entêrro, quando o vice-prefeito te substituir, eu juro que as águas voltam nas torneiras de Coroado! A paz volta de novo a brilhar na nossa cidade.

A maldade do velho chefe de garimpo provocava náuseas no prefeito da cidade. Inopinadamente, ele tentou agredir o coronel. Lídia o conteve, arrastando-o para o extremo oposto da grande sala.

JERÔNIMO - A água vai voltar outra vez... nos terreiros... a paz há de voltar a Coroado... e a gente não há de necessitar da tua esmola!

LÍDIA - Vamos embora!

JERÔNIMO - (desejava expelir toda a raiva que lhe tornava a vida insuportável) Eu tenho dinheiro, tá me ouvindo? A prefeitura tem dinheiro pra canalizar outro rio. Eu não preciso do senhor!

LÍDIA - Vamos!

JERÔNIMO - Eu volto aqui, sim... mas pra lhe matar a sêde. O senhor há de morrer sozinho. Morto de sêde e sozinho! Miserável! Velho ruim!

PEDRO BARROS - Patife! Diz que tem dinheiro na prefeitura! Você ouviu isso, Juca?

JUCA CIPÓ - Ouvi, patrãozinho. Mas lhe digo: num tem não, num tem não!

CORTA PARA:

CENA CENA 4 - BELO HORIZONTE - HOSPITAL - SALA DE ESPERA - INT. - DIA.

Àquela hora do dia o corredor do hospital retratava a verdadeira face de um pronto-socorro. Padiolas, doentes a gemer, um sem-número de casos dolorosos. No banco esmaltado de branco, Márcia observava com olhos de jornalista toda a azáfama incessante.

ENFERMEIRA - (enfermeira aproximou-se, cautelosa) É a senhora que quer falar comigo?

MÁRCIA - (levantou-se) Exato. Me mandaram procurar pela senhora.

ENFERMEIRA - Pois não. O que deseja? (olhou para ambos os lados receosa. Havia medo nos olhos, nos gestos, nas atitudes da mulher).

MÁRCIA - Me disseram que foi a senhora que cuidou do Sr. Ernesto Bianchinni. Um homem que se acidentou num carro na estrada de Belo Horizonte...

ENFERMEIRA - (fingiu buscar na memória o nome do paciente) Foi... foi sim... agora me lembro.

MÁRCIA - De Dona Branca também, evidentemente.

ENFERMEIRA - Claro... de Dona Branca!

MÁRCIA - Pois... eu queria saber onde posso encontrar o casal.

ENFERMEIRA - Eles estavam naquele quarto (apontou para uma porta próxima) Mas... já deixaram o hospital, recuperados.

Márcia deu alguns passos até a porta. Rodou a maçaneta e observou seu interior.

MÁRCIA - Eu sei. Já me disseram. Eu quero que a senhora me informe, justamente, para onde eles foram.

ENFERMEIRA - (gaguejou) Eu... eu não sei. Não deixaram endereço.

MÁRCIA - Mas segundo eu soube... o Sr. Bianchinni não teve alta... estava ainda passando mal... foi transferido com certeza para outro hospital ou casa de saúde. É isto que eu quero que a senhora me informe.

Agora a enfermeira tinha certeza de que fôra apanhada na mentira. Eles sabiam que o casal não deixara o pronto-socorro recuperado. O homem, muito pelo contrário, deixara o quarto quase à morte.

ENFERMEIRA - Não sei... se eles foram pra outro lugar. A mim não disseram nada. Já perguntou aos médicos?

MÁRCIA - Já. Fui á direção do hospital e ninguém sabe dizer para onde eles foram. (fechou a porta com delicadeza e ajeitou a bolsinha de couro marrom) Bem... não tem importância. Obrigada.

CORTA PARA:

CENA 5 - COROADO - DELEGACIA - CELA DO DR. MACIEL - INT. - DIA.

O Dr. Maciel estava na cadeia, acusado de tentativa de homicídio por ter querido partir a cabeça de Hernani. O rapaz tivera a ousadia de lhe propor entregar-lhe Ritinha em troca do perdão da dívida que o médico contraíra com ele, e o Dr. Maciel se indignara. Ao tomar conhecimento do caso, Duda ficara furioso e tivera uma briga com a esposa, terrivelmente enciumado. Pagara afinal a dívida do sogro, mas ao voltar para São Paulo, a fim de fazer os exames de rotina na perna operada, ainda não voltara às boas com Ritinha. Agora a moça estava diante do pai, na prisão.

DR. MACIEL - Oi... Ritinha... te esperei tanto...

O médico, com a barba por fazer e as mãos trêmulas, beijou a face da filha.

RITINHA - Como é que o senhor está?

DR. MACIEL - Cansado! Doente! Muito mal! Quando é que vão me tirar daqui?

RITINHA - Doutor Rodrigo disse que não passa de hoje.

DR. MACIEL - Deus queira. Já não aguento mais. (virou-se para um vulto que estava meio oculto pelas sombras, sentado no colchão) Conhece aqui... o Alberto... companheiro do João, teu cunhado?

Ritinha arregalou os olhos para fixar a figura esguia e de cabelos lisos, que escondia o rosto entre as mãos. O rapaz cumprimentou-a com um mover de cabeça.

ALBERTO - Olá!

RITINHA - Olá! Então te agarraram?

ALBERTO - Pra ver. Esse delegado sujo está se vingando em mim, do que não pode se vingar no João.

Ritinha ignorou a presença do rapazola. Abriu a bolsinha de longas correias e de lá tirou alguns documentos amarfanhados. Deu-os ao pai.

RITINHA - Toma isto.

DR. MACIEL - Que é isto?

RITINHA - As promissórias que o senhor assinou pro Hernani.

DR. MACIEL - (surpreso) Você... pagou?

RITINHA - Não interessa quem pagou... Alguém pagou... O senhor está livre da dívida. Eu estou livre daquele homem. Em compensação... Eduardo foi embora... e nunca mais... quer ouvir falar de mim. (Maciel emudeceu. A moça bateu na grade com o punho fechado) Pode abrir esta porta! Eu quero sair. Êh, seu guarda...

FIM DO CAPÍTULO 101
NÃO PERCA O CAPÍTULO 102 DE

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 100






classificação



Roteirizado por Antonio Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 100

CENA 1 - COROADO - DELEGACIA - INT. - DIA.

DELEGADO FALCÃO - (movendo o palito entre os dentes) Não me custa nada fazer a sua vontade. Eu vou até Belo Horizonte!

RODRIGO - Duda insiste em afirmar que esse tal de Ernesto Bianchinni é Lourenço D’Ávila. Está convicto de que um e outro são a mesma pessoa.

Falcão bateu com a ponta do cigarro contra a madeira desbotada da mesa. Havia cinza em todos os cantos e manchas gordurosas de café e manteiga.

DELEGADO FALCÃO - Acho isso um absurdo.

RODRIGO - Já estive em São Paulo para me certificar. A minha investigação foi completamente negativa. Mas agora, com essa nova coincidência, acho melhor irmos ver de perto.

DELEGADO FALCÃO - A gente vai. Mas tem uma coisa. Posso até mostrar jornais da capital de São Paulo. Comentam muito o afastamento do grande jogador. Os jornais dizem que Duda foi vítimas de uma crise nervosa. Em consequencia desse atordoamento foi até contundido em campo...

RODRIGO - É, eu sei de tudo isso... Não quero dizer que acredito nele... mas também estou novamente em dúvida.

DELEGADO FALCÃO - (levantou-se, abotoando o jaquetão cinza, de corte antiquado) Bem... não custa nada a gente ir ver esse tal de Bianchinni.

RODRIGO - (ajeitando as abotoaduras de couro) Quando podemos ir?

DELEGADO FALCÃO - Hoje mesmo. Agora, se você quiser.

O delegado estava pronto. Como policial não poderia deixar para mais tarde um assunto que envolvia vidas e destinos de muitas pessoas. Inclusive a dele próprio. Falcão cruzou a sala e se dirigiu a um armário. Rodrigo observava os seus movimentos. Retirou uma arma de cano curto, algumas balas. Encheu o tambor. Rodou-o e olhou o interior do cano fino. Tudo em ordem.

RODRIGO - (fez o convite) Vamos no meu carro.

Saíram juntos.

CORTA PARA:

CENA 2 - BELO HORIZONTE - HOSPITAL - QUARTO DE LOURENÇO - INT. - DIA.


Duda aguardava. O tempo corria e a enfermeira não o convidava a entrar no quarto de Ernesto Bianchinni. Olhou o relógio: há 20 minutos esperava ordem para visitar o “amigo”. Entrou inopinadamente. E viu o homem estendido, com o rosto coberto de gaze avermelhada pela tintura. Branca não dizia palavra. Duda admirava a placidez, a respiração cadenciada do acidentado. Deixou o quarto com um misto de decepção e desconfiança.

BRANCA - (pôs a mão no seio, aflita) Quando isto vai ter fim?

ENFERMEIRA - Estou com medo! Se os médicos desconfiam, estou perdida!

GASTÃO - Calem a boca! (ordenou, movendo os lábios por entre a gaze tinta) Isto já vai terminar!

BRANCA - Talvez não! O jogador não está convencido.

ENFERMEIRA - Ele vai continuar fazendo perguntas (admitiu, com os lábios trêmulos e mais pálida do que o normal).

GASTÃO - Com certeza. Mas as coisas foram muito bem feitas... Ninguém viu quando a gente levou o doente daqui!

BRANCA - (fitando o crucifixo pregado à parede) Estou muito preocupada com ele!

GASTÃO - Ele está muito bem! Não se aflija! Foi levado com muito jeito... está em tratamento. A mocinha me ajudou bem.

ENFERMEIRA - Até agora não entendi por que estão fazendo isso...

GASTÃO - Não precisa entender, moça! Você vai receber a sua grana pra ficar calada.

BRANCA - (esfregando as mãos com nervosismo) Quando vamos ao encontro do meu marido?

GASTÃO - Hoje mesmo. Vamos só dar tempo ao tempo... porque o cretino do jogador de futebol pode voltar aqui...

CORTA PARA:

CENA 3 - COROADO - CASA DE JERÔNIMO - SALA - INT. - NOITE.

Positivamente as coisas não corriam bem no lar do prefeito e Lídia percebia que, a cada dia, mais se afastava do esposo. Mesmo morando juntos, dormindo juntos, viviam separados um do outro. Lídia esperou que o marido regressasse à casa. Era notinha. Coroado descansava depois de um dia de trabalho.

LÍDIA - Jerônimo!

JERÔNIMO - (virou o rosto, ao mesmo tempo em que jogava o paletó sobre o encôsto da cadeira) Tá escondidinha aí?

LIDIA - Não vou continuar mais. Eu desisto.

JERÔNIMO - Não tou entendendo...

LÍDIA - Não dou pra isso, não, viu? Esse negócio de sofrimento, ciúmes, não é comigo. Eu vou renunciar a tudo, Jerônimo.

JERÔNIMO - (segurando as bochechas da esposa entre as mãos) A tudo, o quê?

LÍDIA - Aos meus sonhos impossíveis. Você não tem mais jeito, Jerônimo. Olha, quer um conselho? O melhor que tem a fazer é dar um chute nas convenções, nos preconceitos que te separam daquela moça. Manda tudo pro inferno e junta teus trapinhos com os dela. É a única coisa que te resta fazer...

Lídia se levantou, enquanto Jerônimo, boquiaberto, não encontrava resposta à argumentação da esposa.

JERÔNIMO - Espera aí, Lídia. Lídia!

A mulher desapareceu no interior do quarto, iluminado por uma luzinha vermelha que dava ao ambiente o aspecto de um laboratório de revelação fotográfica. Depois de molhar o rosto e escovar os cabelos longos e negros, Jerônimo penetrou no quarto e olhou a cama onde a esposa se deitara com a cara escondida entre os travesseiros.

JERÔNIMO - Lidinha, espera aí! Vamos conversar... Eu tenho direito a uma explicação!

LÍDIA - (deixou aparecer a face) Que explicação, Jerônimo? Se tudo está claro demais! Você não consegue reagir contra o sentimento que nutre por aquela moça. Pronto. O que não tem remédio, remediado está... E daí? Quem é que tem alguma coisa com isso? Nem eu tenho. Nesta história de amor... ninguém em o direito de dar palpite. Você não ama a mestiça?

JERÔNIMO - Lidinha... Não é assim, bem! Você está pensando que eu sou um sujeito fraco, que não tenho coração, nem nada!

LÍDIA - Eu... não ia chegar a ponto de te ofender. Acho desnecessário, porque, afinal de contas, a ofensa não ia te fazer mudar os sentimentos.

JERÔNIMO - Escuta só um pouco, meu amor...

LÍDIA - Eu não posso arrancar esse sentimento de sua cabeça, do seu coração...

Jerônimo sentou-se á beira da cama, debruçando-se sobre o corpo moreno da mulher.

JERÔNIMO - Eu lhe pedi paciência, não pedi? Você prometeu compreender.

LÍDIA - Mais do que tenho feito? Mais paciência do que ternho tido? Já te disse. Cansei. Não tenho vocação nenhuma pra mártir!

JERÔNIMO - Você pode tá pensando que eu fui lá, na casa dela, porque não aguentei... Não é isso? Você soube que eu fui visitar Potira na casa de Maciel. Sabia que ela está muito doente? Talvez seja por isso que você tá criando todo esse drama...

LÍDIA - É verdade... eu pensei mesmo.

JERÔNIMO - É... em parte. Quero dizer... eu não ia se não tivesse o pretexto. Pretexto que você mesma me deu.

LÍDIA - (admirada) Eu?

JERÔNIMO - Você se lembra... você me disse que as mulheres de Coroado iam desprezar Potira na missa de domingo.

LÍDIA - E daí?

JERÕNIMO - Daí... daí, Lidinha... me deu uma pena dela, que você nem imagina. Fui avisar... só isso... pra ela não vir na missa de domingo... pra não passar pela vergonha de ser humilhada. Eu não podia saber que ela ainda estava doente, sem poder se levantar... E não podia desejar que isso acontecesse. Me entenda, pelo amor de Deus! (começava a exasperar-se, ante o desenrolar da conversa) Eu me sinto sempre culpado de tudo o que acontece de ruim na vida dela... A gente é feliz... a gente vive bem, apesar de tudo. Ela, não. Ela tá com o lar destruído... tá proibida até de sair de casa... o marido contra ela... a cidade contra ela... pensa bem. Eu era um sujeito muito ordinário se não me preocupasse um pouco com ela. Você se esquece de que somos criados como irmãos. Ela, desde pequenininha... (Lídia virou o rosto, atormentada pelas recordações do marido) Você é humana, você, que tem demonstrado possuir uma bondade fora do comum... você acha direito que alguém sofra se a gente pode evitar o sofrimento?

Jerônimo abraçou-a, erguendo-lhe o busto e beijando-a nos lábios. Lídia fingiu esquivar-se do carinho.

LÍDIA - Não!

JERÔNIMO - Lídia, eu te juro diante de Deus. A gente não devia tá discutindo coisa nossa, particular, num lugar sagrado para o nosso amor... Eu quero viver bem com você. Eu te quero muito. E te peço uma última oportunidade. Fica comigo. E se eu fraquejar de novo, aí você tem o direito de fazer o que quiser, tá?

LÍDIA - Está bem. A última oportunidade. Você prometeu.

Jerônimo premiu o interruptor e o quarto escureceu por completo. Não havia palavras, apenas movimentos e a linguagem do amor.

FIM DO CAPÍTULO 100
NÃO PERCA O CAPÍTULO 101 DE